2015, o ano mais violento no Alemão desde a ocupação militar em 2010

O fotógrafo Betinho Casas Novas escreveu artigo para o Voz das Comunidades sobre a rotina de violência no Alemão em 2015, listando casos que mais repercutiram, como o assassinato de Eduardo Ferreira de Jesus por um policial militar. “A morte do menino Eduardo foi o estopim para a revolta dos moradores do Alemão”, disse Casas Novas. “Em 2015, 44 pessoas foram atingidas em troca de tiros no Complexo do Alemão. Destas, 22 pessoas morreram. Superando o ano de 2014, quando 27 pessoas foram atingidas, com 14 mortes, o ano de 2015 se tornou o mais violento desde a ocupação de 2010, pelas forças militares”

Por Betinho Casas Novas, para o Voz das Comunidades

No Brasil 247

2015… Um ano que devemos esquecer?

Assim como 2014, o novo ano já começava violento, com mortes, baleados e feridos. A esperança dos moradores do Alemão, para o ano de 2015, era de uma mudança tranquila, próspera e de paz, levando em conta o ano violento que havia sido o anterior. Mas os primeiros meses mostraram que, cada vez mais, os moradores precisam conviver e resistir a toda violência e aos problemas da comunidade. Ao invés de uma virada com gritos de “paz”, “prosperidade”, “saúde” e “amor”, eram ouvidos novamente “Justiça”, “Fora UPP”, “Basta”, “Paz no Alemão”.

Já no dia 19 de março, mais uma vítima de bala perdida chocou toda a comunidade. Vanessa dos Santos Abcassis, 38 anos, foi alvejada na porta de casa enquanto conversava com um vizinho. O disparo foi após uma troca de tiros na comunidade da Central, no alto do morro do Alemão, atingindo sua coxa, próximo do abdome. Vanessa chegou a ser levada para a unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas já chegou sem vida na unidade. Revoltados, familiares de Vanessa desabafaram em protesto nas redes sociais.

No mês seguinte, duas mortes revoltaram os moradores do Alemão e do Brasil. Entre elas, uma senhora e uma criança de apenas dez anos. Elizabeth Moura, 41 anos, estava com a família em casa, sentada em seu sofá, na sala, quando foi atingida por um tiro no pescoço. No momento do disparo, uma intensa troca de tiros ocorria na região. Junto com Elizabeth, outra pessoa era atingida na mesma ocasião. A vitima era sua filha, Maynara Moura, 14 anos, ferida no braço, ao lado de sua mãe. Mãe e filha foram levadas pelos moradores ao pronto-socorro mais próximo. Maynara foi atendida e liberada em seguida, já sua mãe, não resistiu e morreu no hospital.

No dia seguinte à morte de Elizabeth, a Polícia Civil do Rio fez uma operação de reconstituição do acidente, na localidade onde a senhora e sua filha foram atingidas. A operação demorou o dia inteiro. À noite, imagens circulavam pelas redes sociais, apontando mais uma vítima de bala perdida. Dessa vez, era uma criança de apenas dez anos de idade. “Assassino, assassino!” – gritavam os moradores, no vídeo compartilhado por mais de mil pessoas na mesma hora.

Eduardo de Jesus Ferreira foi atingido por um tiro na cabeça enquanto aguardava, na porta de sua casa, sua irmã chegar do trabalho. Em questões de minutos, as imagens do menino morto circularam pelo mundo.

“Um minuto que meu filho saiu para a porta de casa, esses desgraçados (referindo-se aos PMs) mataram meu filho…” – contou, revoltada, a mãe do menino, Tereza Maria de Jesus. Nossa equipe foi uma das únicas a cobrir no local, em tempo real, a morte do menino Eduardo. Solicitada pelos moradores, a equipe do Jornal Voz da Comunidade chegou uma hora depois da morte do menino. Na mesma noite, cerca de 200 moradores fizeram um protesto simbólico na entrada da comunidade com velas, gritos de justiça e faixas.

Três dias depois deste triste episódio, cerca de mil moradores invadiram as ruas do Alemão em protesto pelas mortes ocorridas. Com faixas, bandeiras e lençóis brancos, os moradores andaram por toda comunidade. Na parte baixa do Alemão, a Polícia Militar entrou em confronto com os manifestantes, dispersando a multidão com bombas de efeito moral e gás lacrimogênio. Cerca de cinco pessoas deram entrada na Unidade de Pronto Atendimento do Alemão, feridas na confusão, atingidas por balas de borracha e estilhaços das bombas lançadas pelos policiais militares.

Um ato pela paz, organizado por um grupo de ativista do Alemão, foi realizado uma semana após a morte do menino Eduardo. Dessa vez, evitando um possível confronto com a PM, o ato foi organizado com carro de som, camisas, faixas e intervenções culturais, além da presença de artistas e da imprensa nacional e internacional. Cerca de duas mil pessoas participaram da caminhada, que saiu da comunidade da Grota, indo em direção à praça de Inhaúma, onde finalizou o ato. Os policiais militares acompanharam tudo de perto.

A morte do menino Eduardo foi o estopim para a revolta dos moradores do Alemão. Noticiada em todos os telejornais do mundo, fazendo o caso ser chamado de “Guerra no Alemão” ou até mesmo de “Caos no Rio”. Em pouco tempo, o Governo do Estado do Rio, representado pelo Governador Pezão, assumiu a culpa do Estado nas mortes de Eduardo e de Elizabeth Moura. Entretanto, os agentes envolvidos no caso da morte do menino Eduardo não foram indiciados pela morte, sete meses após o ocorrido.

Um levantamento realizado pela Organização Voz das Comunidades mostrou que, em 2015, 44 pessoas foram atingidas em troca de tiros no Complexo do Alemão. Destas, 22 pessoas morreram. Superando o ano de 2014, quando 27 pessoas foram atingidas, com 14 mortes, o ano de 2015 se tornou o mais violento desde a ocupação de 2010, pelas forças militares.

+ sobre o tema

Arquitetura da destruição, por Neimar Machado de Sousa

Arquitetura da Destruição (1992) é um documentário sueco, produzido...

Procuradora é indiciada por tortura qualificada e racismo

Por: Aluizio Freire As penas são de dois a oito...

para lembrar

Quartas de final terá combate ao racismo

Capitães lerão mensagens da Fifa contra a discriminação antes...

Escândalo por tweet de The Home Depot que compara a negros com macacos

Os usuários da rede social não podiam compreender...

Brasileiras denunciam racismo em palestra, em Harvard: ‘Tem piolho nas tranças?’

Duas brasileiras relataram ter sofrido racismo em uma das...
spot_imgspot_img

OAB suspende registro de advogada presa por injúria racial em aeroporto

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) suspendeu, nesta terça-feira (25), o registro da advogada Luana Otoni de Paula. Ela foi presa por injúria racial e...

Ação afirmativa no Brasil, política virtuosa no século 21

As políticas públicas de ação afirmativa tiveram seu marco inicial no Brasil em 2001, quando o governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho sancionou...

Decisão do STF sobre maconha é avanço relativo

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades....
-+=