A situação da saúde no Brasil é conhecida pela sua calamidade. Mas e se, além de todos os problemas com políticas públicas, o machismo também tivesse sua parcela de culpa? É o que sugere uma série de estudos, que apontam que o fato de a paciente ser mulher, e não homem, afeta a maneira como ela é atendida no mundo inteiro.
Por Ana Paula de Araujo Do Finanças Femininas
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Por décadas, diversos estudos mostraram que mulheres com dores crônicas têm maior risco de serem diagnosticadas erroneamente com transtornos mentais do que os homens – e, por isso, receberem mais prescrições de medicamentos psicotrópicos. Quando homens e mulheres vão ao médico com reclamações similares de dor, é mais provável que recebamos uma receita de sedativos do que de analgésicos.
Será que a dor das mulheres não é levada em consideração? Quais são as consequências desse machismo no atendimento médico?
Machismo dói – literalmente
Ser taxada de “louca” ou ter sua dor ignorada é recorrente. Algumas mulheres enfrentam isso a vida inteira, como a gerente de marketing Maria Luiza*, que possui problemas graves de mobilidade intestinal desde bebê e episódios repetidos de candidíase desde os 21 anos – todos eles relativizados por diversos profissionais que a atenderam ao longo da vida.
“Sempre ouço que o que eu sinto ‘deve ser emocional’, e isso me deixa muito brava. O médico não escuta e ignora todo meu histórico só porque já fiz tratamento de depressão e ansiedade. É como se, por isso, eu fosse automaticamente louca”, conta.
Maria Luiza ouve todas as vezes que deve beber mais água, comer fibras e fazer exercícios físicos – e, mesmo seguindo todas as recomendações, continua com o intestino doente. O único médico que tratou, de fato, a questão da mobilidade, ignorou o histórico de ansiedade e receitou um remédio que causou crises de pânico na paciente. Ela também já foi assediada diversas vezes.E essas são apenas duas das muitas histórias que ela tem a contar sobre o machismo e descaso que já sofreu dentro de consultórios.
Recentemente, dois livros exploraram o tema da saúde feminina: “Ask Me About My Uterus” (“Pergunte-me sobre meu útero”, em tradução livre), de Abby Norman, e “Sick: A Memoir” (“Doente: um memoir”), de Porochista Khakpour. Em seu livro, Norman conta: “Eu estava descobrindo aos poucos que não apenas minha dor seria desacreditava, mas que ela nunca seria importante.”
Quando era estudante universitária, ela sofreu de dores extremamente fortes – que continuaram mais tarde -, junto a outros sintomas sem explicação, como o cabelo ficando grisalho e perda de peso extrema. Até hoje, a autora não sabe o que está acontecendo com seu corpo.
Alguns médicos disseram que era estresse e a mandaram para a terapia. Ela também foi diagnosticada com infecção urinária e tomou antibióticos. Outros médicos mal escutaram sua longa lista de sintomas, que também inclui dores durante a relação sexual.
Então, ela começou a levar seu namorado nas consultas. “Uma vez, ele corroborou – ou melhor ainda, expressou sua própria frustração -, de repente parecia que os médicos começaram a ouvir… Ou eles não acreditavam em mim na ausência do Max [seu namorado], ou acreditavam, mas meu sofrimento por si não foi suficiente para inspirar ação”, desabafou Norman.
Já em “Doente”, Khakpour divide sua impactante história, que envolve uma doença crônica, vício e ceticismo em relação aos médicos. Ela descreve como os sintomas da Doença de Lyme confundem os médicos e fazem os pacientes “parecerem doentes mentais, e apenas doentes mentais”. Ela escreve: “No final das contas, todo paciente com Lyme também tem algum diagnóstico psiquiátrico por causa do inferno que é preciso para chegar a um diagnóstico [da Doença de Lyme em si].”
E machismo mata
Uma outra pesquisa publicada em agosto deste ano, conduzida por pesquisadores da University of Minnesota, Washington University in St. Louis e Harvard Business School (Estados Unidos), estudou a as taxas de mortalidade das mulheres depois de ataques cardíacos e o resultado foi chocante: pacientes do sexo feminino são menos propensas a sobreviver a episódios cardíacos traumáticos quando médicos homens tratam essas mulheres.
Um dos estudiosos por trás da descoberta, Brad N. Greenwood, escreveu que os resultados sugerem uma razão pela qual a desigualdade de gêneros na mortalidade relacionada a ataques cardíacos persiste: a maior parte dos médicos são homens, e médicos homens parece terem problemas em tratar pacientes mulheres – sobre a realidade americana, que foi o objeto deste estudo.
Além de sermos desacreditadas quando relatamos assédios e outras violências sofridas, o machismo também tenta calar nossas dores físicas. Quantas mulheres no Brasil não morrem ou passam suas vidas com dores inexplicáveis por causa do machismo?
*O nome foi trocado para preservar a fonte.