Perda de direitos trabalhistas coloca em risco a dignidade humana

O século 20 foi marcado por muitas guerras, mas também por lutas e revoltas populares que resultaram, apesar de tardias, em importantes conquistas sociais. Durante o governo populista de Getúlio Vargas (1930-1945), os direitos trabalhistas se firmaram como resposta às reivindicações dos brasileiros.

De lá para cá, pouco menos de cem anos depois, há retrocessos nas normas que garantem a dignidade dos trabalhos e que expõem as marcas da origem escravocrata do Brasil.

De acordo com o IBGE, o desemprego alcançou o recorde de 14,4 milhões de pessoas em 2021. O mesmo padrão de crescimento segue com a informalidade, cuja taxa já quase corresponde à maior parte da população ocupada no país, isto é, 39,9%.

Em outras palavras, cerca de 40 milhões de pessoas têm trabalhado por conta própria (sem assinatura na carteira de trabalho) e não contam com os direitos garantidos nos termos da legislação trabalhista, como o 13º salário, aposentadoria, o auxílio desemprego, a licença maternidade e outros.

Há a exceção daqueles que buscam se vincular em alguns mecanismos de regularização de suas atividades econômicas ao contribuir com determinadas taxas, como a modalidade do MEI (Micro Empreendedor Individual).

O padrão no aumento da informalidade pode ser visualizado nas estatísticas no período que vai do ano de 2016 até o de 2018.

Muito antes desses dados, as ilustrações de Jean-Baptiste Debret demonstravam que são em postos informais e precarizados que muitos brasileiros garantem as suas subsistências desde o período colonial.

No passado ou na atualidade, nos deparamos com a população negra vendendo variados produtos e serviços como forma alternativa de trabalho em virtude da falta de oportunidade.

De forma sintomática, desde as alterações de flexibilização feitas por meio da reforma trabalhista, no mesmo ano do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, vemos figuras da elite aumentarem suas fortunas em contraste com o crescimento significativo de precarização da vida dos mais pobres.

Há diversos programas de incentivo ao empreendedorismo nas grandes mídias —como o VAE (Vamos Ativar o Empreendedorismo), Inovativa, Up Starts etc— e constante crescimento nas ofertas de vagas de trabalho em aplicativos de transporte e de entregas de fast food.

Não se trata simplesmente de questionar as pessoas como devem exercer suas atividades econômicas, mas problematizar as condições em que esses postos são fornecidos e suas graves consequências para a sociedade.

O excesso de positividade e lógica meritocrática de que ‘’é possível enriquecer e obter sucesso em suas carreiras profissionais, basta acordar cedo e correr atrás’’ tem produzido e acumulado nos indivíduos diversas enfermidades físicas e psíquicas que, no fundo, não são individuais, mas um sofrer coletivo advindo do sistema capitalista.

Se analisarmos de forma ampliada, constataremos que esse processo do Estado e de iniciativas privadas de responsabilizar os indivíduos por suas necessidades básicas tem ocorrido em vários países, como aponta o professor Ricardo Antunes em sua obra “Riqueza e Miséria no Brasil”. Trata-se de um projeto global cuja tendência é preocupante, pois ao invés de sonhar, estamos tentando sobreviver.

Um dos fatores que contribuem para a precarização das condições de vida da população é a forma contraditória e negligente que os estados têm destinado medidas desiguais para as empresas de grande e de pequeno portes e trabalhadores informais.

Ao passo que para o primeiro grupo, há pouquíssimas barreiras fiscais e impostos para os aglomerados internacionais como a própria Uber, para os demais há constantes relatos de criminalização, dificuldade no acesso ao crédito para manterem suas atividades e até mesmo em receber o auxílio emergencial.

Precisamos mudar as prioridades. Em vez de beneficiar as empresas que já detém elevados faturamentos, precisa-se incidir de forma mais energética na condução de políticas públicas que resultem na criação de emprego e garantia direta de renda.

É preciso que tais políticas sejam operadas através de um plano nacional integrado e em colaboração com estados e municípios, seja fortalecendo as ações existentes, se necessário adequando-as ou criando outras.

Quando se fala na máxima do crescimento econômico, ainda mais com a urgência no contexto da pandemia, não se pode perder de vista um dos elementos prioritários: a manutenção da dignidade humana a partir da comida na mesa, das contas pagas e bem-estar do povo. Isto é, o exercício básico da cidadania.

 

Juliana Garcia de Lima
Estudante de ciências sociais (UERJ), integrante do Voz da Baixada e do Movimenta Caxias

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