Aprovada no Sisu, travesti Maria Clara Araújo pede igualdade após entrar UFPE

A estudante pernambucana Maria Clara Araújo, de 18 anos, foi uma das mais de 6 mil aprovadas na primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu)para vagas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mas a vitória não foi uma qualquer: ela pôde usar o seu nome social para participar do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

 por  Thiago de Araújo

MONTAGEM/REPRODUÇÃO FACEBOOK

Maria Clara é uma travesti. E sente muito orgulho disso, tanto que resolveu postar na sua página no Facebook um manifesto por igualdade, contra preconceitos e pré-julgamentos ainda reinantes do ensino, seja ele fundamental, médio ou superior, no Brasil. De acordo com ela, a aprovação para o curso de Pedagogia da UFPE é simbólica e de muita emoção para a família.

“Desde muito cedo, o âmbito educacional deixou o mais explicito possível suas dificuldades em compreender as particularidades de minha vida: aos 6 anos, desejando ser a Power Ranger Rosa, aos 13 usando lenços na cabeça, aos 18 implorando pelo meu nome social e, logo, o reconhecimento de minha identidade de gênero. Nenhuma foi atendida. Nenhuma foi levada a sério como algo que eu, enquanto um ser humano, preciso daquilo para me construir e ter minha subjetividade”, escreveu.

Publicação by Maria Clara Araújo.

Ao relembrar o passado escolar, Maria Clara esmiuçou o quanto o “acolhimento, educação e aprendizagem” não eram lá encontrados, tendo sim como prática recorrente a “opressão, dor e rejeição”. Como ela, muitas encontraram as mesmas dificuldades, mas pereceram pelo caminho, algumas para o mundo da prostituição, para onde a pernambucana dizia estar fadada, pelo menos para seus detratores.

“Olhe ao seu redor! Quantas travestis e mulheres trans você se depara no seu dia a dia? Quantas estão na sua sala de aula? Quantas te atendem no supermercado? Quantas são suas médicas? Espere até as 23hrs. Procure a avenida mais próxima. As encontrará. Porque lá, embaixo do poste clareando a rua escura, é onde nós fomos condicionadas a estar por uma sociedade internalizadamente transfóbica”, continuou.

Além de Maria Clara, outras 94 pessoas puderam utilizar o seu nome social no Enem, independente do gênero, com a anuência do Ministério da Educação (MEC). Para a pernambucana, entrar na universidade é apenas parte de um processo ainda em andamento, que envolve o desejo de ter todos os seus documentos já com o seu nome social, e não o civil.

“É meio complicado, porque vou ter que mostrar documentos, me matricular enquanto garoto. Eu fico bem desconfortável em relação a isso, porque querendo ou não meu nome civil vai ficar exposto. Estou tentando mentalizar que é algo extremamente temporário”, disse ela ao G1.

Ela espera ainda que sua história propicie uma mudança para mais do que necessária no cenário estudantil brasileiro. “Eu, travesti, não sou igual a você. Eu, travesti, além de ter batalhado por minha entrada, a partir de agora irei batalhar por minha permanência. Optei por Pedagogia com a esperança de poder ser um diferencial. De finalmente pautar a busca por uma educação que nos liberta e não mais nos acorrente. A escolha é apenas uma: lutar ou lutar. E eu, Maria Clara Araújo, escolhi ser um símbolo de força. A revolução será travesti!”.

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