Brasil: Liberdade de expressão ou cinismo social?

No Brasil, discriminação e preconceito transformaram-se em liberdade de expressão. Os grupos sociais que durante séculos foram objetos de práticas de segregação, de discriminação, estigmatização e violência física quando a partir de mobilizações sociais e organização conquistaram a tipificação criminal (proteção legal) dessas práticas passaram a ser reconhecidos como os intolerantes ou “superprotegidos”(Oh, coitadinhos!). Aqueles que exerciam essas práticas (algozes da dor alheia.) agora se percebem como vitimas do que eles chamam de “pensamento politicamente correto”.

Nos botes, portas de igrejas, escolas e ruas vigora uma espécie de amnésia social. As pessoas reclamam que já não podem mais dizer: Olha aquele preto ali! Hum, que bichinha ridícula. Há, ha, ha! Vê se vira homem, cara! Nossa, que sapatão feio! Olha aquela gorda enorme! Fulano é aleijado! Tinha que ser pobre mesmo! Favelado, é tudo marginal! Já vem aqueles maconheiros! Veja a roupa do filho de fulano, só pode ser maloqueiro! Elas resmungam contra o que chamam de super-proteção a esses grupos sociais e a restrição da sua liberdade de expressão, dizem que não podem mais ser franco e sincero nesse país (Cabe lembrar que a intensidade dessa sinceridade e franqueza sempre depende da qualidade social de quem for objeto dela). Não conseguem reconhecer nas suas sentenças sociais (ou de liberdade de expressão) nenhum preconceito ou discriminação, não a veem como uma faca que todos os dias dilacera a dignidade social de suas vítimas, impondo-as situações de vexatórias, de zombaria e humilhação. No Brasil, tem se confundido escracho como liberdade de expressão, desrespeito com livre pensamento.

Mas, por que as vítimas não querem mais o uso dessas palavras e a repetição dessas práticas? Palavras e práticas assumidas como liberdade de expressão pela maioria da população? Porque elas são expressão do desconhecimento e o exercício da discriminação, significam a reprodução e a celebração de uma ordem social que desqualifica, inferioriza, hierarquiza e esteriotipiza aqueles que são vistos como diferentes(fora dos padrões e modelos instituídos). Onde ficaria, então, a liberdade expressão de não gostar de islâmicos, umbandistas, homossexuais, migrantes, gordos, negros, judeus, pobres, favelados e outros diferentes? Perguntam-se os contrários ao pensamento politicamente correto. Ela continuará existindo desde que o que for falado e pensado não se constituía em situações de humilhação pública e discriminação, desde que a manifestação de pensamento não se transforme em prática de degradação, achincalhamento e desrespeito à dignidade social do outro.

O que se clama, a partir da criminalização das práticas de discriminação, é que a condição étnica, social, cultural, de gênero e estética não seja o fundamento da consideração social, a bússola que oriente o tratamento dirigido a qualquer individuo. Assim como, é vetada, toda e qualquer, a ofensa a mãe de alguém, justificando, muitas vezes, agressões físicas e morais contra o agressor, porque deve-se tolerar socialmente ofensas e agregações, assumida como liberdade de pensamento, a qualquer segmento social que não gostamos?

A luta contra tais práticas e preconceitos, que para alguns grupos sociais aparece como exagero e perda tempo, se constitui numa oportunidade para instituir outros valores para construção dos nossos laços de sociabilidade e garantir que o direito a diferença e a liberdade de expressão sejam os pilares da democracia brasileira. Perceber esse movimento histórico com leitura simplória do “politicamente correto”, transformando-o em ceifado da liberdade de expressão, como fazem a mídia brasileira e os setores conservadores brasileiros, é transformar o cinismo social no fundamento da vida social brasileira negando a existência do racismo, do elitismo, do preconceito de classe, da homofobia, do sexismo e da xenofobia em terras onde supostamente reinaria a cordialidade.

* Historiador e Professor de História do Campus Nova Andradina/IFMS

Igor Vitorino da Silva

Historiador formado pela UFES

Professor de História do IFMS – Campus Nova Andradina

Negro Capixaba

Povo desorganizado

EX-Morador da Periferia Capixaba

Atualmente habitante da Zona de Modernização do Capitalismo Brasileiro

Fonte: Lista Racial

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