Artigo da Ministra Luiza Bairros: O Estatuto da Igualdade Racial é pra valer!

O Estatuto da Igualdade Racial completa um ano de sua sanção. Nesse breve tempo, podemos avaliar que não se tratava de documento cujo impacto promoveria de imediato a redenção dos negros, como queriam  alguns, tampouco era um papel sem consequências como pensavam seus críticos.

Parte da frustração que acompanhou a sanção do Estatuto pode ser atribuída à conclusão das negociações parlamentares, após 10 anos de tramitação no Congresso. As pesquisas mostram (a última, do DataSenado, divulgada semana passada) que a maioria da população brasileira aprova o instrumento das cotas, suprimido na versão negociada do texto da lei.

Se as cotas produziam tensão entre os setores conservadores, criando obstáculos à tramitação do projeto, sua retirada do texto não foi compensada por um amplo acordo político em torno de uma agenda de implementação do Estatuto, que expressasse as legítimas demandas da população negra, em benefício, frise-se, do fortalecimento da democracia.

Logo que as modificações na lei do divórcio entraram em vigor, também em 2010, casais procuraram os cartórios, buscando beneficiar-se dessas alterações. No dia seguinte à sanção do Estatuto da Igualdade Racial, nada rigorosamente aconteceu. Isto significa que as mudanças por ele introduzidas não causam impacto nas instituições, nem afetam a vida de milhões de mulheres e homens brasileiros?

De modo algum. Significa que cumprir as obrigações desta lei exige, entre outras medidas, investimento pesado e de longo prazo na mudança dos referenciais da ação pública. Isto inclui a capacitação dos gestores, de modo a alterar padrões culturais arraigados, superar práticas desumanizadoras, naturalizadas e internalizadas desde o Brasil colônia. Não se revertem estigmas de longa duração por mera formalização de direitos, sabemos todos.

De acordo com o artigo 56 do Estatuto, as políticas de ação afirmativa e outras políticas públicas, que tenham como objetivo a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra, devem ser observadas nos Planos Plurianuais (PPAs) e orçamentos da União.

Durante a elaboração do PPA 2012-2015, o primeiro sob a égide da Lei 12.288/10 que instituiu o Estatuto, a Seppir empenhou-se para que os objetivos e iniciativas de governo incorporem tais desafios. Mais um importante passo para que as desigualdades raciais sejam reconhecidas e abordadas na agenda governamental.

Qualquer que seja o resultado final, avanços podem ser contabilizados. O diálogo com gestores e técnicos dos ministérios que executam as políticas públicas apontou caminhos. A criação de um ambiente institucional, livre de preconceitos, abriu novas possibilidades para um tema ainda marginal à gestão pública.

Muitas vezes não atentamos para a riqueza e a irreversibilidade de processos políticos, simplesmente porque seus resultados não são imediatamente palpáveis. A elaboração do PPA 2012-2015 pôs em movimento, sem dissimular tensões, uma percepção da realidade brasileira abrangente o suficiente para incluir o enfrentamento ao racismo. Assim, a Seppir busca conferir nova feição aos planos de governo, projetando em seu horizonte pessoas concretas, com suas referências históricas e culturais. Considerando ainda o objetivo de implementação do Estatuto da Igualdade Racial, instituímos através de portaria um grupo interministerial, o qual deverá, num prazo de 120 dias, propor outras ações necessárias à efetividade das políticas ali previstas.

Embora ainda distante das práticas administrativas cotidianas, o conteúdo do Estatuto tem pautado nossos diálogos intragovernamentais e com setores expressivos da sociedade desde o início do governo Dilma Rousseff. Ao lançar a campanha “Igualdade racial é pra valer”, a Seppir quis evidenciar que a legislação anti-racista não é apenas um pano de fundo correto e justificador de nossas melhores intenções. Os agentes públicos e privados são convidados, este tem sido o mote de nossas conversas, para fazer valer, no mundo real, o princípio da igualdade.

Luiza Bairros Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir/PR)

Foto: Correio Nagô

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