Saúde da População Negra corre o risco de permanecer negligenciada no Ministério da Saúde

Na contramão de projeto encaminhado pela SEPPIR, secretário do Ministério da Saúde apresentou proposta que reduz importância da Política de Saúde da População Negra
 
por Ana Flávia Magalhães Pinto

Foi ampla a repercussão do anúncio do projeto de lei de cotas para negros no serviço público feito pela presidenta Dilma Rousseff na abertura da III Conapir, em 5 de novembro. Ocorre que outra medida não menos esperada também foi apresentada, sem, entretanto, receber muita atenção: “Nós vamos criar, no Ministério da Saúde, inclusive por grande demanda da Seppir [Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial], uma instância específica para coordenar as ações voltadas para a população negra”, afirmou a presidenta.
 

Desde que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), em 2006, e oficializada pelo Ministério da Saúde (MS), em 2009, por meio da Portaria n. 992/09, ativistas e especialistas da área têm lutado e dialogado com o MS para que a implementação aconteça. Os resultados, porém, praticamente inexistem; e boa parte da explicação repousa no fato de que essa agenda nunca foi incorporada como prioridade pelo Ministério. Apesar de 70% dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) serem negros (pretos e pardos), a PNSIPN não tem sido tratada como uma ação estratégica pelas secretarias do Ministério e algo indispensável para que a missão do SUS se concretize. Em vez disso, a quase totalidade das ações que tratam da saúde da população negra está sob a responsabilidade do Departamento de Apoio à Gestão Estratégica e Participativa (DAGEP), parte da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP). 
 
 
 
 
Diante dessas limitações, a SEPPIR, em diálogo com integrantes do Comitê Técnico de Saúde da População Negra, construiu uma proposta de criação de uma Instância de Enfrentamento ao Racismo Institucional e Promoção da Igualdade Racial na Saúde, a ser alocada no Gabinete do Ministro da Saúde; responsável pela implementação, a gestão, o monitoramento e a avaliação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. O projeto foi encaminhado pela ministra Luiza Bairros ao ministro Alexandre Padilha no início de novembro, seguindo para a apreciação do Departamento de Apoio à Gestão Estratégica e Participativa (DAGEP). Esse foi contexto em que a proposta foi anunciada pela presidenta Dilma Rousseff na Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
 
Contraproposta − Na tarde desta segunda-feira (9.12.2013), durante a reunião da Comissão Intersetorial de Saúde da População Negra do CNS, o secretário Odorico Monteiro, da SGEP, apresentou outra proposta na qual a instância permaneceria no DAGEP, dentro da Coordenação Geral de Apoio à Educação Popular em Saúde e Mobilização Social, portanto submetida a essa coordenação, conforme registrado no infográfico abaixo.
 
 
DAGEP
 
 
 
A proposta recebeu várias críticas dos presentes na reunião. José Marmo da Silva, coordenador da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, salientou: “Mais do que deixar as coisas como estão, o que já seria condenável, a proposta reduz ainda mais a importância da Política de Saúde da População Negra dentro do Ministério da Saúde. A proposta que construímos em diálogo com a SEPPIR partia justamente do reconhecimento das lacunas institucionais e limitações dos mecanismos atuais de gestão da Política em prover as dinâmicas necessárias à sua efetiva institucionalização”.
 
 
Na avaliação de Richarlls Martins, da Rede Nacional Lai Lai Apejo – Saúde da População Negra e HIV-Aids e conselheiro do CNS, “essa proposta vai na contramão do compromisso com a implementação da PNSIPN que o Ministério da Saúde vem reafirmando em vários momentos desde 2006. Pouco adianta afirmar o compromisso e não desenvolver ações que produzam impacto”.
 
Por sua vez, Jurema Werneck, coordenadora da ONG Criola, que também esteve diretamente envolvida na elaboração da proposta encaminhada pela Seppir, deu mais detalhes sobre o projeto inicial. “De acordo com o que encaminhamos, a instância deve estar localizada no Gabinete do Ministro da Saúde, para que ter condições de ter influência sobre todas as secretarias e níveis de gestão em saúde. Em respeito ao princípio de gestão da transversalidade, sugerimos uma coordenação adjunta sob a responsabilidade da SEPPIR. Para o planejamento e a execução das ações, a instância deveria contar com a assessoria de um Órgão Colegiado composto pelas Secretarias do MS, pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS); pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS); bem como por especialistas e representantes de organizações e redes da sociedade civil ligados às agendas da saúde e do antirracismo”. 
 
Seppir
 
Outro problema apontado por ativistas e especialistas diz respeito ao reduzido tamanho da equipe diante da carga de trabalho necessária para a implementação da PNSIPN e de um plano de combate ao racismo na Saúde. Em vez de 1 coordenador/a, 1 assessor/a, 1 secretário e um corpo técnico formado por consultores; a estrutura mínima prevista era: 1 Coordenador/a, 1 Especialista em Saúde da População Negra, 1 Epidemiologista, 1 Gestor/a público/a especialista em monitoramento e avaliação, 2 Técnicos/as, e 1 Auxiliar administrativo. Caberia ainda garantir a presença de pontos focais em cada Secretaria do MS.
 
De acordo com a proposta da SEPPIR, a implementação da PNSIPN estaria atrelada à capacidade de a Instância exercer liderança, competência e força de gestão. Isso porque três frentes de ações precisariam ser fortemente desenvolvidas: enfrentamento do racismo no SUS; eliminação das disparidades raciais visíveis na diferença entre os indicadores de saúde de brancos e negros; e realização de ações afirmativas. Essas são entendidas como condições indispensáveis para que a Instância tenha o poder para levar o SUS a se mover na direção das mudanças pretendidas.
 
Nova reunião no CNS – Nesta quarta-feira (11), às 14h, o tema da Saúde da População Negra será pauta da reunião do Conselho Nacional de Saúde. Para tratar da questão, estão previstas as falas do ministro da Saúde Alexandre Padilha; da ministra da SEPPIR Luiza Bairros; Ubiraci Matildes de Jesus, Coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde da População Negra − CISPN/CNS; e de Jurema Werneck, coordenadora da ONG Criola. A reunião é aberta ao público, e espera-se que a presença da sociedade civil seja capaz de pressionar o governo para que uma proposta mais adequada seja encaminada. O endereço do Plenário do Conselho Nacional de Saúde “Omilton Visconde” é: Ministério da Saúde, Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Anexo B, 1º andar – Brasília/DF.

 

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