A frente Negra Brasileira

por Clovis Moura

No bojo dessa movimentação ideológica da comunidade negra paulista, através dos seus jornais, surge a idéia da formação da Frente Negra Brasileira. Ela irá constituir-se em um movimento de caráter nacional, com repercussão internacional. Surgiu da obstinação de negros abnegados, como Francisco Lucrécio, Raul Joviano do Amaral, José Correia Leite (que, depois, dela se afastará por motivos ideológicos) e mais alguns.

Fundada em 16 de setembro de 1931, sua sede social central localizava-se na rua Liberdade, na capital paulista. Sua estrutura organizacional já era bastante complexa, muito mais do que a quase inexistente dos jornais. Era dirigida por um Grande Conselho, constituído de 20 membros, selecionando-se, dentre eles, o Chefe e o Secretário. Havia, ainda, um Conselho Auxiliar, formado pelos Cabos Distritais da Capital. Criou-se, ainda, uma milícia frente-negrina, organização paramilitar.

Os seus componentes usavam camisas brancas e recebiam rígido tratamento, como se fossem soldados. Segundo um dos seus fundadores – Francisco Lucrécio -, a Frente Negra foi fundada ppor ele e outros companheiros embaixo de um poste de iluminação.

Ainda segundo a mesma testemunha, no início houve muita incompreensão. Diziam que eles estavam fazendo racismo ao contrário. No entanto, com o tempo, os membros da Frente Negra foram adquirindo a confiança não apenas da comunidade, mas de toda a sociedade paulista. As próprias autoridades a respeitavam. Os seus membros possuíam uma carteira de identidade expedida pela entidade, com retratos de frente e perfil.

Quando as autoridades policiais encontravam um negro com esse documento, respeitavam-no porque sabiam que na Frente Negra só entravam pessoas de bem. Ainda segundo depoimento de Francisco Lucrécio, conseguiam acabar com a discriminação racial que existia na então Força Pública de São Paulo. Até aquela data os negros não podiam entrar na corporação. A Frente Negra inscreveu mais de 400 negros, tendo muitos deles feito carreira militar.

Por outro lado, havia divergências na comunidade negra em relação à ideologia da Frente, pois muitos não aceitavam a ideologia patrianovista (monarquista) que o seu primeiro presidente, Arlindo Veiga dos Santos, queria impor aos seus membros. Isso iria refletir na trajetória da entidade. Uma visão direitista levou muitos dos seus adeptos a posições simpáticas em relação ao integralismo e ao nazismo. Paradoxalmente, o conceito de raça é manipulado pelos frente-negrinos, que, no seu jornal A Voz da Raça, colocam como seu slogan “Deus, Pátria, Raça e Família”, que depois foi modificado. Era o slogan decalcado diretamente do “Deus, Pátria e Família”, da Ação Integralista.

Apesar dessas contradições ideológicas, a Frente Negra se desenvolveu rapidamente, criando núcleos em vários Estados do Brasil. Milhares de negros, nas principais áreas do país, aderem ao seu ideário e passam a ser seus membros. Em face dos êxitos alcançados, a Frente Negra resolveu transformar-se em partido político. Tinha todas as condições exigidas pela Justiça Eleitoral da época, e entrou com pedido nesse sentido em 1936. Sobre o assunto houve discussão entre os membros do Tribunal, que chegaram a alegar uma tendência racista na Frente. Finalmente o seu registro foi concedido. Durou pouco, porém. Logo em seguida, 1937, o golpe de Estado deflagrado por Getúlio Vargas implantando o Estado Novo dissolverá todos os partidos, entre eles a Frente Negra Brasileira.

Houve um trauma muito grande na comunidade que a acompanhava ou militava nos seus quadros. Milhares de negros sentiram-se desarvorados politicamente. Um dos seus fundadores, Raul Joviano do Amaral, tenta conservar a entidade, mudando-lhe o nome para União Negra Brasileira. Mas a situação geral do país não era favorável à vida associativa no Brasil, onde a repressão via atos subversivos em qualquer organização. O jornal A Voz da Raça deixa de circular. A censura é imposta a todos os órgãos de imprensa, e a União, que procurou substituir a Frente, morre melancolicamente, em 1938, exatamente quando se comemoravam 50 anos da Abolição.

História do Negro Brasileiro / Clóvis Moura – São Paulo: Editora Ática S.A., 1992

Fonte: Portal da Cultura Negra

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