A Grande Marcha das Mulheres pelo Parto Normal e pelo Direito de Informação e Escolha.

“Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.”
Bertold Brecht

Fonte: Sfigalo

Por Adriana Medeiros

Há cinco anos foi implantada, em bairro popular de concentração de famílias negras do Rio de Janeiro, Realengo, a única casa de parto comunitária em pleno funcionamento no Brasil. Chamou-se Casa de Parto David Capistrano Filho, homenagem a um médico sanitarista, grande defensor da saúde pública. Buscava com criatividade, muita luta e trabalho diário e incansável, formas sociais e de baixo custo para atender a população. Sua teimosia consciente o levou – mesmo muito doente – a incentivar o médico de família e as salas de parto com assistência de enfermeiras e parteiras.

Herdamos desse guerreiro a lucidez e o amor pela vida de todos! Percebia o quanto era urgente e necessário o acesso qualificado e diferenciado da saúde em sua mais plena potência: o processo de gerar vida! Percebeu o quanto custava às pessoas, ao Estado e, em médio prazo, à qualidade de vida, investir os serviços de saúde na doença e no risco.

A solução era investir na prevenção e na vida, qualificando ao máximo a triagem de risco. Com isso, a grande maioria de mulheres e famílias eram atendidas com qualidade, informação, respeito e vistas de uma maneira integral, relacionando a saúde ao modo de vida e adaptando-se à sua realidade e diversidade. Primar pela qualidade, personalizar o atendimento, se baseando em evidências científicas; seguir as recomendações do Ministério da Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Centro Latino Americano de Perinatologia, da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO). Simples assim! Genial assim!

De tão simples e genial, acabou desafiando a supremacia do modelo industrial e tecnológico, que defendia a intervenção, a medicalização padronizada e o atendimento massificado! E lá se vão cerca de 20 anos de luta, conquista e mais luta – para manter as conquistas contra a mortalidade materna e neonatal e a violência institucional!

O modelo de assistência Casa de Parto é filho dessa história. Melhor dizendo embora contrariando a concordância, é filha dessa história. Nasceu mulher para saber melhor como lutar contra a opressão, para ter força na dor e no cansaço, para compreender o processo diário e invisível que é gerar uma vida nova e continuar, com firmeza, solidariedade e beleza, cuidando para que se nasça e cuidando para que não se morra!

Em defesa da vida – mas não qualquer vida – em defesa de uma vida com qualidade, acesso, informação, escolha, amor e beleza, participei e fotografei a Caminhada pelo Parto Normal e pelo Direito de Informação e Escolha, que se tornou uma Grande Marcha, no domingo ensolarado do dia 21 de junho, no Leme, Rio de Janeiro, reunindo movimentos locais e nacionais (a Casa de Parto de Juiz de Fora, MG, inclusive, estava presente, também reivindicando sua reabertura), mulheres e famílias de toda origem, idade, credo, etnia! Estavam lá respondendo com alegria, beleza e criatividade a uma ação tão covarde da vigilância sanitária estadual, que interditou a Casa de Parto David Capistrano Filho em diário oficial, de um dia para outro, sem direito a resposta (direito constitucional), sem argumentos qualificados (desconhecia portaria federal do Ministério da Saúde), sem plano ou orientação para as mulheres grávidas que tinham nesse espaço a referência garantida de seus partos!

Felizmente, a Casa de Parto foi desinterditada no dia 23 pela própria vigilância sanitária estadual – sem nenhuma nota pública.

Felizmente não estamos sós na defesa da vida democrática!
Obrigada a tod@s!

Adriana Medeiros
contato: [email protected]

 

Matéria original: A Grande Marcha das Mulheres pelo Parto Normal e pelo Direito de Informação e Escolha.

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