“A guerra contra a PM está declarada”: o que está por trás das cenas de horror em Campinas

Por : Mauro Donato

 

DE CAMPINAS

“A guerra contra a PM está declarada”, disse o cunhado de uma das 12 vítimas de assassinato ocorridos em Campinas neste final semana. Todas foram alvejadas nas costas e na cabeça. Ou seja, sem rodeios: ajoelhadas e olhando para o chão.

A ocorrência das execuções e a revolta de populares ateando fogo em ônibus, são um retrato bem acabado da situação geral em que nos encontramos e que foi sendo semeada ao longo de décadas. De um lado, uma polícia despreparada e mal paga, com enorme porosidade para a corrupção, enraizada em uma guerra conhecida mas ao mesmo tempo ignorada, travada nos guetos e favelas. De outro, uma população de periferia, desprotegida, envolta e entrelaçada por quadrilhas e criminosos defendendo seu território e seus negócios. A guerra não precisa ser declarada, ela já existe há tempos e este roteiro é quase banal.

Após a morte de um PM que estava em horário de folga e supostamente teria reagido a um assalto em um posto de gasolina, num espaço de 3 horas uma milícia encapuzada executa uma dúzia de pessoas, seis delas com passagens por tráfico, receptação e roubo de veículo, homicídio.

A própria polícia parece não duvidar de que haja participação de policiais (senão todos) na ação.

A polícia tem condições de encontrar em 3 horas os autores, mas como ela mesma não confia no “sistema”, resolve a coisa à sua maneira;

A polícia (ou aquele grupo) só tem condições de encontrar em 3 horas pois sabe, conhece na verdade, exatamente quem são os autores, o que me leva a suspeitar das tais ocorrências de assalto envolvendo um PM em horário de folga. Quando há desavenças no chamado “arrego”, as armas cantam mesmo;

Durante o velório, chegou uma ordem da polícia (confirmada pela Secretaria de Segurança Pública) para que os cadáveres retornassem ao IML para “novos exames” pois ainda seria necessário encontrar mais projéteis não encontrados na primeira sessão. Encontrar ou enxertar novos e de calibre não comprometedor?

A revolta da população acontece quando inocentes, geralmente menores, vão de roldão no mesmo pacote. Do contrário, fica subentendido que é do jogo: uma das partes não cumpriu algum acordo e não se toca no assunto.

Dois dias antes do ocorrido em Campinas, perto das 3 horas da madrugada de sexta-feira, quatro homens encapuzados invadiram a Santa Casa de Misericórdia de Valença (BA), renderam o policial que estava fazendo a escolta de um detento, conhecido como Gazo, ferido e acusado de participar da morte do policial João Tiago Leite Machado na praia de Guaibim.

Executaram o preso que estava sob custódia com sete tiros de vários calibres, todos na cabeça. A foto, chocante, foi postada com um comentário que enaltecia a ação: “No estado da Bahia é comum matadores de policiais serem mortos rapidamente, um recado claro, assassino de polícia nunca fica impune”, estava grifado.

Não é só na Bahia.

Sobre o Autor

Fotógrafo nascido em São Paulo. Foi uma das maiores revelações do futebol praiano nos idos dos anos 80, até sofrer uma entrada mais dura de um caiçara.

Fonte: DCM

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