A Marca Indelével

Poe Edson Lopes Cardoso Do Brado Negro

A MARCA INDELÉVEL

A subordinação de africanos e seus descendentes durante o longo período de escravização foi tensionada por atos cotidianos, individuais e coletivos, de resistência e enfrentamento. No Brasil, precisamos repetir isso a todo o momento. Está sempre à espreita uma generalização, feita com base em estereótipos, que nos atribui comportamentos legitimadores da dominação.

Lula foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. O que se seguiu ao anúncio da condenação não foi um levante popular de grandes proporções, varrendo tudo pela frente? O jornalista Mino Carta se apressa em explicar as razões do que entende ser uma grave manifestação de apatia e alheamento popular:

“E casa-grande e senzala continuam de pé, donde a facilidade de entender por que a maioria de um povo que ainda traz nos lombos a marca da chibata não lota ruas e praças e põe a tremer o solo pisado e o coração dos senhores.”

Não há preocupações maiores com o nível real de mobilização política do PT hoje na sociedade brasileira. Isso parece não ter nenhuma relevância. A explicação “fácil”, porque sugere um aparente vínculo causal, de natureza “histórica”, é a “marca no lombo”.

A gravura de Debret na capa da revista “Carta Capital”, edição especial, ano XXIII, nº 961, de 19/07/2017, fortalece o argumento da continuidade histórica e a subordinação de negros passivos e serviçais é uma representação paradigmática, a partir da qual toda abstenção política encontrará justificativa.

No início do PCB, é comum encontrarmos opiniões de dirigentes comunistas brasileiros a respeito dos efeitos do “cativeiro prolongado” na população negra, que lhe embotava “o senso moral e social”. Elas são muito semelhantes às reiteradas alusões contemporâneas feitas por Mino Carta e outros jornalistas. Vejam exemplos em “A derrota da dialética”, livro de Leandro Konder, (p. 137 e 151). A coisa é velha, portanto.

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Sempre que há negros no pedaço, a tendência é explicar tudo a partir do passado. Somos seres singulares e constituímos uma área de grande autonomia, por isso conjunturas e razões econômicas e sociais contemporâneas não nos podem alcançar. Mudanças estruturais, abalos na geopolítica global, nada nos afeta. Seremos sempre explicados pela marca da chibata no lombo.

“Os estragos deixados pela escravidão na consciência das massas” segue sendo, portanto, o eixo central de um diagnóstico que sempre traz algum consolo à incompetência das esquerdas no Brasil. A chibata no lombo de quase-animais estabelece a impossibilidade de uma reação eficaz, em que pesem os esforços da liderança iluminada.

O desdém quase aristocrático de descendentes de imigrantes, impregnado de preconceitos, nunca pôde construir um modo de percepção que valorizasse, por exemplo, o mar de rostos negros que encontro, neste momento, na batalha das ruas de Salvador, numa conjuntura de desemprego, fome e extrema violência.

Há ansiedade e desespero, os nervos estão à flor da pele, os ambulantes se atropelam. Há combatividade e resistência e é tudo que lhes resta para enfrentar a situação. Na real, não temos jornalismo no Brasil que se disponha a abandonar generalizações e se volte para recolher testemunhos e vivências do povo negro

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