Ana Flávia Ramos: Mulher no comando é “mandona”; se for homem, é “firme”

As dores de Temer

por Ana Flávia Ramos, do Viomundo 

Entre os muitos golpes que a democracia brasileira e Dilma Rousseff vem sofrendo no ano de 2015, alguns pequenos gestos evidenciam as entrelinhas do machismo que alimenta a campanha contra a primeira presidenta mulher. E não digo isso apenas me referindo aos inúmeros ataques feitos a partir da cultura do estupro existente nesse país.

Ao publicar a carta infame e mesquinha de Michel Temer, até mesmo a prestigiada Revista Fórum (admirada por mim), ao tentar explicar para o leitor um dos possíveis motivos da insatisfação do homenzinho, escorregou: “Dilma não é fácil e há inúmeros relatos de descortesias da presidenta”. Machismo. Não posso dizer outra coisa.

Dilma atingiu uma posição incômoda num país extremamente machista, um lugar de poder, de chefia.

Os vários comentários políticos, as manchetes sempre deixaram entrever esse machismo: Dilma é de “difícil trato”, “Dilma tem briga PESSOAL com Cunha” (na medida em que mulheres agem por paixão e emoção, como NÃO encarar a disputa como política entre uma presidenta da República e o presidente da Câmara? Disputa pessoal, quase “briga de vizinhos”, claro), “Dilma é mandona com ministros”, “Dilma quer decidir tudo sozinha”.

Claro que tenho críticas a muitas decisões e articulações políticas de Dilma. Evidente.

Mas não se trata só disso. Nós mulheres, que estamos no mundo do trabalho, sabemos o quanto é difícil ocupar cargos de chefia – quando ocupamos, porque, na maioria das vezes, optam por figuras masculinas. Isso é um fato.

Mulheres no comando, se não são extremamente cordiais e falam doce – voz de fada –, usam diminutivos, se não se esmeram na gentileza excessiva (ou subserviência), são tidas como “mandonas”, temperamentais, passionais, pouco “articuladoras”. Se reclamam, se são pragmáticas, se cobram responsabilidades, enfim, se se posicionam com firmeza, são olhadas com desconfiança, com azedume…

São como “diabos que vestem prada”. Homens na mesma condição, são “firmes”, “destemidos”, “gestores” desde o berço.

Mulheres, ah mulheres, estas são mal-amadas mesmo.

Afinal de contas, essa é das “nervosinhas”.

Dilma pecou ao magoar o homenzinho Michel Temer, pecou pois não o consultou em suas decisões, não acatou o seu plano “ponte” (eu diria bomba) para o “futuro”, foi dura com engravatados nas reuniões…

Não falou doce, saiu do lugar onde uma mulher deveria estar.

Temer se ressente de ser tratado como…vice.

Queria ser consultado, queria que seu plano de governo fosse acatado.

Ele, um homem, como tantos outros que ocupam majoritariamente Brasília, não foi consultado por aquela mulher que ousara ser presidenta. Pecado mortal.

No entanto, senhor Temer, lembro que os 54 milhões de votos foram de Dilma Rousseff e não seus.

Aliás, muitos deles (incluindo o meu) foram dados a despeito de você, tivemos que engolir sua presença indigesta.

Tal qual fazemos quando tapamos o nariz para engolir remédio ruim.

Se Dilma não confiou em você, ela estava certa: você não vale nada. Viva a primeira presidenta mulher desse país!

*Ana Flávia Cernic Ramos é doutora em História Social pela Unicamp e professora do curso de Graduação em História da UFU.

PS do Viomundo: Entreouvido hoje na TV Câmara, enquanto deputados da oposição gritavam pelo impeachment de Dilma, um deles dizendo: “vai cuidar de casa!”

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