Artistas negros ex-evangélicos são a face da revolução e inspiram jovens no Brasil

Durante a pandemia da COVID 19, eu lancei uma chamada para envio de artigos, poemas e relatos autobiográficos, com a finalidade de compor um livro que será publicado em formato de e-book em breve. Este livro reune textos de (ex) universitários negros/as de todo o Brasil, narrando suas experiências enquanto sujeitos de suas histórias dentro desse espaço que foi projetado para excluir tudo aquilo que não é branco.

Ao avaliar os textos enviados e ler as narrativas baseadas no ponto de vista e categorias escolhidas pelas/os autores, percebi duas coisas: 1) que boa parte dos escritos mencionava trechos de músicas (principalmente do rap e reggae) como motivação para continuar vivendo, lidando com as adversidades, se reinventando e aceitando a si e seus desejos; 2) uma parcela de tais referências contidas nos textos eram letras de músicas escritas por artistas negros/as que já passaram pela igreja evangélica.

Assim, sendo pesquisadora da área há quase 10 anos e ex-evangélica, preciso enfatizar que o Brasil é um país que tem se tornado cada vez mais evangélico 31% (DATAFOLHA, 2020) e negro 55% (IBGE, 2022); o que reflete diretamente nas formas de vida e relações sociais, políticas, culturais, econômicas e raciais. Logo, é urgente que não viremos as costas para o inegável e histórico fato de que a cultura periférica e negra tem sido desenvolvida lado a lado a cultura gospel, sobretudo por meio de inúmeros artistas evangélicos e ex-evangélicos negros, que são protagonistas em seus territórios e referências para o Brasil inteiro.

É neste cenário que venho desenvolvendo minha pesquisa da tese de doutorado em antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco, por meio da investigação do que suponho ser um grande grupo de ex-evangélicos e desigrejados negros no país, direcionando meu foco àquelas pessoas que identificam-se enquanto artistas – combatendo então o epistemicídio (CARNEIRO); trazendo à luz aquilo que ainda está oculto.

Dito isso, vamos dar início a essa conversa com alguns nomes que vocês conhecem e/ou deveriam conhecer:

Amaro Freitas (PE), meu conterrâneo recifense, é um pianista mundialmente conhecido e celebrado, que aprendeu música na igreja evangélica, onde tocou teclado durante a adolescência. O pianista iniciou um curso no Conservatório Pernambucano de Música, mas não tinha dinheiro para a passagem do transporte público e outras necessidades básicas, então, não pôde concluir. Com um estilo próprio e contemporâneo, combina o jazz com gêneros regionais, como o frevo e a sonoridade do Oriente Médio.

Bia Ferreira (MG) é uma cantora e ativista que ressignificou a sua relação com o cristianismo evangélico ao longo da carreira, culminando na criação da Igreja Lesbiteriana. Essa igreja simbólica é um espaço direcionado à pessoas expulsas da igreja formal por fazerem parte da comunidade lgbtqiapn+, para que se sintam acolhidas como parte de uma família. Internacionalmente conhecida, de uma sensibilidade e identidade singular, foi criada numa família de missionários, aprendendo cedo a ler, escrever e tocar instrumentos para evangelizar.

Emicida (SP), rapper e escritor, tem uma longa trajetória no cenário nacional e, nos últimos anos, internacional. Escreve, fala e produz sobre pobreza, violência, racismo, superação, amor e cuidado – sobretudo com as crianças. Intelectual orgânico do nosso tempo, ganhou premiações com o projeto AmarElo. Fruto da igreja evangélica, frequentemente fala sobre sua fé, baseada no amor e na comunhão entre as pessoas e destaca a existência de um cristianismo distorcido no país, que propaga a intolerância e o ódio contra outras religiões e minorias.

Outros nomes são a artista Ventura Profana (BA) cantore Majur (BA), o artista Maxwell Alexandre (RJ), a artiste e, Abros Barros (PE); Fabriccio (ES).

Você quer indicar um artista ou acompanhar o projeto? Vem! Comenta aqui, me escreve: @antroporaca @antropogata / [email protected]


Mini biografia:

Thayane Fernandes tem 27 anos, é bacharel em Ciências Sociais, mestra e doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi pesquisadora visitante no Quebec e Texas através de prêmios de pesquisa no exterior, passando também pelo Oriente Médio. Encontrou na diversidade entre as culturas a substância da vida, e tem sua trajetória de vida marcada pelo trânsito entre a igreja batista, a periferia e a universidade pública.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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