Atenção Negligenciada

Fonte: Gazeta de Ribeirão –

Saúde pública Pesquisa da USP mostra que médicos e enfermeiros não sabem lidar e identificar casos de violência doméstica


Médicos e enfermeiros da rede pública de saúde de Ribeirão Preto ainda não estão preparados para lidar com a violência doméstica na cidade e não se sentem à vontade para perguntar é paciente se ela foi vítima de agressão. Essa foi a conclusão de um estudo da Escola de Enfermagem da USP de Ribeirão, que apontou a falta de aula de violência de gênero durante a faculdade e a capacitação dos profissionais como principais entraves para a identificação do problema.

 

A pesquisadora Ana Cyntia Paulin Baraldi entrevistou todos os 170 médicos e 51 enfermeiros que atuam nas cinco Unidades Básicas Distritais de Saúde. O questionário abordou o conhecimento, manejo dos casos e as atitudes dos profissionais frente à violência.

 

Os resultados mostraram que 64% dos enfermeiros não tiveram aula específica durante a graduação e 52,9% afirmaram ter recebido instrução sobre como detectar e conduzir os casos de violência. Já entre os médicos, a maioria (55,9%) teve aula ou palestra durante a faculdade, mas 80% nunca recebeu nenhum tipo de instrução na UBDS. Ainda segundo a pesquisa, 39,2% dos enfermeiros e 31,8% dos médicos revelaram se sentir incomodados em conversar com a paciente sobre a violência, sendo que sete enfermeiros e 17 médicos afirmaram que nunca perguntaram sobre a existência de relações violentas dentro de casa.

 

Pela complexidade do tema, há que se atuar, além da educação e capacitação dos profissionais de saúde e de toda a rede envolvida no atendimento às mulheres em situação de violência, na transformação cultural da sociedade e no empoderamento das mulheres, disse Ana Cyntia.

 

De acordo com a médica sanitarista Maria Elizabeth Monteiro, da Divisão da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal da Saúde e responsável por compilar os dados da violência doméstica das unidades de saúde, há profissionais que fingem não ver o problema. É difícil de enfrentar esse fato social. E isso acontece em todos níveis. As pessoas ainda têm receio de encarar a violência doméstica, afirmou.

 

Local é sigiloso, diz Prefeitura

O projeto para a construção da Casa Abrigo para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica em Ribeirão está em fase de elaboração e custará R$ 14,9 mil para a Prefeitura Municipal. A cidade, que ainda não possui um local para destinar essas mulheres e seus filhos, hoje envia as vítimas da violência para abrigos de outras cidades. Existe um estudo para que o abrigo mude de lugar periodicamente. O sigilo é para manter as vítimas longe do agressor e o local escolhido não foi definido. (GY)

 

Graduação ainda não discute tema

Os cursos de graduação ainda resistem em não abordar nenhum tipo de violência de gênero e, entre todas as àreas, a educação é a que mais discrimina. A opinião é de Adria Maria Bezerra Ferreira, professora, voluntária do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. “Se os cursos não tratam da violência, o atendimento médico passa a ser discriminatário. Não existe disciplina para tratar o assunto”, afirmou.

 

Segundo ela, os profissionais saem dos bancos da faculdade com uma visão elitista – o que pode ser comprovado principalmente pelas mulheres negras. “Há relatos e estudos de médicos que não chegam a tocar na mulher negra por preconceito”, afirmou. A formação de todos os profissionais que realizam atendimento ao público durante a graduação para o atendimento à violência é uma das bandeiras dos conselhos de mulheres espalhados pelo Estado de São Paulo, segundo Adria. Ela afirmou que todas as delegadas das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) do Estado passarão por capacitação para a formação de gênero, por meio do Conselho Estadual da Condição Feminina, ainda sem data definida. (GY)

 

Saiba mais sobre a pesquisa

80% Dos 170 médicos ouvidos na pesquisa nunca receberam nenhuma orientação específica na unidade de saúde.

 

64% Dos enfermeiros entrevistados afirmaram não ter tido aulas específicas sobre o tema durante a graduação.

 

Mulheres concentram 85% dos casos de violência doméstica

O último levantamento da Vigilância Epidemiológica, de 22 de outubro, apontou que foram registrados 980 casos de violência doméstica em Ribeirão desde o início do ano. Destes, 76,5% dos casos ocorreram dentro de casa e as maiores vítimas foram as mulheres, com 833 registros. Os dados apontam que a maior incidência das agressões ocorreu contra mulheres entre 20 e 30 anos de idade.

 

Até outubro, a Unidade Básica Distrital de Saúde Oeste atendeu o maior número de pacientes vítimas de violência. Na maioria dos casos, 38,3%, as mulheres foram agredidas pelo marido e depois, pelo ex-marido.

 

Esse é o caso de A.H., 29 anos, que conviveu com a violência do ex-marido por quase três anos. A primeira vez que foi agredida estava grávida do primeiro filho do casal. Ele chegou em casa bêbado e deu um chute na minha barriga. Fui para o posto de saúde, mas tive vergonha de contar para o médico o que aconteceu, afirmou.

 

As agressões ocorriam todas as vezes em que ele se embriagava. Entretanto, A. decidiu permanecer casada por depender economicamente do agressor. Eu decidi me separar dele e comecei a trabalhar. Já faz seis meses que ele mora em outra casa, mas mesmo assim veio aqui me agredir três vezes, disse. (GY)

 

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