Aviso para cenas de estupro é o mínimo

“O crime de estupro consiste no fato de o agente “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (CP, art. 213, caput).

 Por Stephanie Ribeiro, do Imprensa Feminista

Estupro é atitude violenta e criminosa cometida para com pessoas em situação ou pertencentes a grupos vulneráveis, como mulheres, idosos, crianças, pessoas em situação de rua, presidiários, etc. Estupros não acontecem apenas em ruas escuras, em becos e durante a noite. Eles podem acontecer dentro da sua casa, no trabalho, no transporte público, e o agressor pode ser um familiar, um amigo, ou um estranho.

A única coisa que estupros têm em comum é que a culpa nunca é da vítima.

O fato é que essa, como muitas formas de agressão que estão relacionadas à misoginia, não são debatidas na sociedade, mas são frequentemente cometidas e, por incrível que pareça, mesmo com o ar de “choque” que ela trás para muitas pessoas, é naturalizada pela mídia, o que consiste numa segunda agressão. Estupros são representados em novelas, filmes e séries em cenas que deveriam ser mais do que um mero acontecimento, já que não problematizar o ato, e não apontar o crime por trás disso, acaba ajudando a naturalizar a questão.

 Leia Também: PLP 2.0 – Aplicativo para coibir a violência contra a mulher

Vamos entender que novelas, filmes etc, acabam influenciando a vida real, e que esses reproduzem sim machismo a todo momento, é só pensar no Teste de Bechdel, que avalia a representação feminina em filmes, se aplicarmos eles as produções que passam na televisão nacional e/ou filmes que assistimos perceberemos que são poucas as que passam nas seguintes regras:

1. Tem no mínimo duas mulheres, com NOMES.

2. As mulheres conversam uma com a outra.

3. Sobre alguma coisa que não seja um homem.

Afinal, a maioria dos diáogos que mulheres tem nessas produções giram em torno dos homemens envolvidos afetivamente com as personagens.

Já pensou se houvesse um teste desses para as personagens de filmes/novelas/ séries que passam por estupros, algumas perguntas como:

1. O estupro faz sentido na trama.

2. O estupro poderia ser entendido sem uma cena.

3. O estupro é  problematizado durante o filme.

4. O estuprador sofre alguma consequência pelo seu ato.

Facilmente com as respostas dessas ficaria evidente que determinadas cenas não fazem o menor sentido, senão reafirmar o discurso violento, caíndo assim banalização por não serem debatidas como deveriam.

Não sei se vocês lembram, mas uma novela das nove da Rede Globo, chamada Amor à Vida, mostrou uma cena de estupro coletivo em um de seus primeiros capítulos, sem avisar que isso aconteceria levaram ao ar no horário nobre uma cena truculenta, ou seja, mulheres que já foram vítimas e que poderiam ter gatilhos acionados ficaram à mercê de reviver esses momentos dramáticos por conta de uma cena que acabou sendo mero “enfeite” da trama, já que depois isso virou um fato como qualquer outro.

Vivemos numa cultura do estupro, onde a cada ano no Brasil 50 mil mulheres são estupradas, um total de uma mulher estuprada a cada 4 minutos. Por isso eu e várias mulheres estamos sempre com medo e consideramos que estamos numa sociedade que não só propicia que isso ocorra como cria condições para que isso seja mantido, uma sensação de insegurança paira até no momento de denunciar, por isso aqui 90% das vítimas acabam ficando em silêncio.

Dentro deste contexto todo, tanto filmes e novelas quanto séries acabam reproduzindo cenas de estupro, banalizando o contexto, onde geralmente mulheres são violentadas por segundos, minutos. Vários clássicos do cinema e séries consagradas possuem cenas como essas, em que a câmera fica focada no rosto da vítima enquanto presenciamos a cena de violência. Tudo parece ser feito como forma de dar um ar dramático para determinado momento, do que como forma de denunciar a realidade de ódio e medo que vivemos. Onde por exemplo mulheres são estupradas a todo instante, cerca de uma a cada 12 segundos no mundo! Por isso, considero essas representações midiáticas uma forma de tortura, principalmente para as vítimas de estupro, já que não existe nenhuma preocupação em poupá-las.

E assim, antes que alguém me acuse de querer acabar com essas cenas, eu só quero explicar que se elas tivesse o sentido de não naturalizar o ato e viessem com avisos, a conversa seria outra. Estou escrevendo isso, pois a maioria das pessoas ficam naquela de “eu nunca pensei nisso” e não entendem o quão gentil e humano é avisar que, por exemplo, um filme contém uma cena que uma vítima não se sentirá bem assistindo, um aviso prévio, e um aviso antes da cena deve ser cogitado. Nem que seja para fechar os olhos e ouvidos, ou simplesmente optarmos por não assistir a determinadas produções.

Em grupos feministas geralmente usamos TW:

Trigger Warning (às vezes abreviado para a sigla TW), traduzido como aviso de gatilho, são notificações usadas em publicações que podem desencadear fortes emoções latentes. – Mari, Lugar de Mulher.

Afinal empatia é também se preocupar com a dor do outro e não fazê-lo reviver momentos ou situações que não são boas.

Se repararmos filmes, séries, etc, que contém cenas de estupro, possuem avisos como: Para maiores de 18 anos, contém cenas de sexo e violência.

Estupro NÃO É sexo! (Repitam isso mil vezes)

Enquanto as pessoas associarem estupro com sexo, é porque ainda mesmo com esses números assustadores, a realidade é confortável para quem detém o poder desses meios de comunicação. É violência, mas não como dois caras de degladiando. É preciso sim se discutir as questões que envolvem esse crime, dando voz e espaço para as vítimas para que elas se sintam seguras para falar/denunciar.

O debate no campo da arte deve ser feito imediatamente, para não continuarmos nos habituando a esse fato e associando estupro a uma obra, eu lembro que vendo o filme A Pele Que Hábito, algumas críticas associavam uma cena de estupro a uma explosão artistíca:

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É primordial irmos além na nossa noção de empatia, que pode ser apenas spoiler, afinal pessoas minimamente humanas não acham que vítimas merecem “surpresas” desagradáveis nos momentos de lazer, que podem desencadear inclusive crises depressivas.

Por isso, por favor avisar é o mínimo! –  Pensem sobre isso!

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