Bolsonaro nem com vacina

O par de pesquisas de intenção de voto na sequência da confirmação de candidaturas (supostamente) robustas da terceira via — entre as quais o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro (Podemos) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ganhador das prévias tucanas — mostrou um eleitorado disposto a dar a Luiz Inácio Lula da Silva uma inédita vitória no primeiro turno. Tanto Ipec (ex-Ibope) quanto Datafolha trouxeram o petista com proporção de votos muito superior à soma dos adversários. Chama a atenção a pontuação alta do ex-presidente na consulta espontânea, em que o eleitor informa o escolhido sem ser apresentado à lista de nomes. No levantamento do Ipec, Lula é preferido de 40% do eleitorado, o dobro do atual ocupante do Planalto.

O governo de Jair Bolsonaro é ruim, e os brasileiros escancaram nas pesquisas o que o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, teimam em ignorar. O fracasso econômico explica muito da impopularidade do presidente (55% de avaliação ruim ou péssima). São 13,5 milhões de desempregados, 7,8 milhões com oferta de trabalho insuficiente, 5,1 milhões de desalentados, quatro em dez brasileiros na informalidade. O rendimento habitual dos ocupados despencou 11% em um ano. A inflação voltou ao patamar de dois dígitos, a gasolina subiu 50% em 12 meses, os juros só fazem subir, a comida está pela hora da morte. Metade da população enfrenta algum nível de insegurança alimentar, 19 milhões passam fome.

Jair Bolsonaro conseguiu destruir uma política social bem-sucedida, o Bolsa Família, em troca de um programa de transferência de renda instável, limitado e mal explicado. Só a pulsão eleitoreira explica a decisão aleatória de pagar R$ 400 a, no máximo, 17 milhões de famílias em ano eleitoral, em vez de R$ 350 a 20 milhões ou R$ 300 a 30 milhões. Na cidade do Rio de Janeiro, a Secretaria de Assistência Social estima que 107 mil famílias em situação de extrema vulnerabilidade estão desassistidas — e sem previsão de acessar o benefício. O governo torrou uma década de orçamento original do Bolsa Família num par de anos, sem melhora perceptível no bem-estar da população. Responsabilidade fiscal também é gastar bem.

Era previsível que o agravamento das crises econômica e social desidratasse a popularidade do presidente da República. Nas quatro pesquisas Ipec, de fevereiro a dezembro, a aversão a Bolsonaro só fez crescer. A aprovação caiu de 28% para 19%; a reprovação saltou de 39% para 55%. O negacionista do Planalto nem sequer conseguiu colher frutos do aumento da cobertura vacinal no enfrentamento à pandemia. Três em quatro brasileiros tomaram a primeira dose; 65% já estão completamente imunizados.

A redução no número de casos e óbitos por Covid-19, no país que já perdeu 616 mil vidas para a doença, não melhorou a imagem do presidente. A pátria vacinada sabe que, por ele, estaria exposta ao vírus e à própria sorte. Nos quase dois anos de pandemia, o mandatário só fez pregar contra máscaras, criticar o distanciamento social, promover tratamento ineficaz, desqualificar imunizantes, agir contra o passaporte vacinal, culpar outros Poderes. Impôs ao Brasil um interminável março de 2020.

Em meio à escalada da variante Ômicron, que preocupa cientistas e governos mundo afora, os brasileiros precisaram do Supremo Tribunal Federal para impedir o acesso de estrangeiros não vacinados ao país e, assim, aplicar na saúde pública o princípio da precaução, como definiu o ministro Luís Roberto Barroso. Bolsonaro condenou o passaporte vacinal na assembleia da ONU e, sem poder comprovar a imunização, entrou no STF para a posse do ministro André Mendonça mostrando resultado de um teste PCR.

A rejeição a Bolsonaro chegou a níveis crivellescos. No ano passado, quando tentava se reeleger, 57% dos eleitores cariocas diziam que não votariam de jeito nenhum no então prefeito. Com a preferência entre os evangélicos, Marcelo Crivella chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Eduardo Paes. No atual retrato da corrida eleitoral, Bolsonaro perderá no primeiro turno para o adversário petista. Lula, nas últimas semanas, somou pontos com o eleitorado após bem-sucedida viagem às principais democracias europeias, Alemanha e França à frente; aproximação com o ex-tucano Geraldo Alckmin, provável candidato a vice pelo PSB; e diálogos com a juventude (via entrevista ao podcast Podpah), a faixa etária mais afetada pelas crises no emprego e na educação.

Doria, pioneiro na estratégia de imunização dos brasileiros contra a Covid-19, não decolou após tirar da disputa Eduardo Leite, governador gaúcho. Sergio Moro, atracado à agenda conservadora que o ex-chefe defendeu em 2018, até aqui não convenceu. Nem no Ipec nem no Datafolha alcançou um décimo do eleitorado, percentual que, na largada, poderia ameaçar Bolsonaro e aglutinar apoio de outros pré-candidatos. Na foto pré-Natal, a disputa parece resolvida a favor de Lula, se o cenário não se alterar, e a democracia prevalecer.

+ sobre o tema

Movimento contra racismo protesta por ofensas à cabeleireira

Manifestação em frente ao Fórum de Sorocaba foi contra...

Neymar e Daniel Alves são alvo de ato de racismo em clássico na Espanha

Segundo imprensa espanhola, houve barulhos de macaco vindo das...

‘Descendentes precisam saber que história da África é tão bonita quanto a da Grécia’

Principal africanólogo brasileiro, diplomata Alberto da Costa e Silva...

Sistema de cotas: Racistas do DEM são derrotados no STF

Por Altamiro Borges Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF)...

para lembrar

O Que é Raça?

A origem da palavra raça é obscura. A gradual e...

Por que tenho orgulho de ser um homem negro?

Ainda que… Ainda que nos vejam através da lente do...

Justiça francesa vai investigar ficção que usa imagem da deputada franco-gabonesa como escrava

A revista, que se define como “o semanário da direita...
spot_imgspot_img

OAB suspende registro de advogada presa por injúria racial em aeroporto

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) suspendeu, nesta terça-feira (25), o registro da advogada Luana Otoni de Paula. Ela foi presa por injúria racial e...

Ação afirmativa no Brasil, política virtuosa no século 21

As políticas públicas de ação afirmativa tiveram seu marco inicial no Brasil em 2001, quando o governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho sancionou...

Decisão do STF sobre maconha é avanço relativo

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades....
-+=