Brother morreu

Brother era meu brother sem que fôssemos amigos. Nossas conversas
ficaram geograficamente delimitadas pelo Pacotão dos anos 1980. Cruzamos
nossas felicidades nos melhores carnavais de minha vida. Não sei nada
sobre a vida do Brother, onde nasceu, se foi casado, se teve filhos,
onde trabalhava mais recentemente, onde morava. Naquele tempo não havia
Facebook — esse desfile compulsivo de intimidades.

Mesmo sem ter convivido com o Brother, ele exercia sobre mim o efeito
de um anjo. O sorriso eterno transmitia confiança e afeto. Brother
parecia não ter obscuridades nem amarguras. E se as tivesse, não deixava
que a escuridão contagiasse o sorriso. Brother não procurava, não
esperava, não se afligia, não contestava… Brother brotheava.

Os muitos amigos que com ele conviveram e que estiverem lendo essa
crônica podem dizer que não era nada disso. Perdoem-me, mas não importa.
Brother passou desse modo pela minha avenida. Quando eu via o Brother
num ambiente público, eu me dizia, calidamente: estou perto de
antigamente. Era um menino-Brother transbordante. E a bebida talvez
fizesse dele o Brother que ele era.

A morte do Brother chegou em má-hora — como se houvesse boa hora para
morrer. A implacável senhora anda rondando a minha geografia afetiva. E
de modo penoso: ela tem chegado vagarosa e mansamente. Como se quisesse
que eu a conhecesse mais de perto, de um modo quase palpável.

Não tenho nada contra a morte. Acho-a bela, acreditem, acredite. Morrer
é se reincorporar ao universo e, portanto, ao que conhecemos como
eternidade. Morrer é voltar ao absoluto, é se reintegrar à natureza. É
existir de outro modo, sem a consciência a que os humanos foram
agraciados e condenados. Morrer é voltar a ser poeira cósmica. Esse é
meu modo de dar sentido à morte.

A morte existe nos vivos. Somos nós, os perduradores, que sentimos a
facada inclemente da terrível senhora. Somos nós quem morremos em vida
quando morre um de nossos queridos. A morte de um amado reduz a
amplitude de nosso viver. Quem quererá viver sozinho no deserto
tenebroso da Terra? A morte vai nos matando na morte dos nossos amores.

A paisagem urbana de Brasília morreu um pouco ontem. Perdeu em doçura,
em alegria, perdeu cor e perdeu malemolência. Brother é um personagem da
cidade. Como o indefectível, inenarrável e insuperável Charles Preto,
ele, e os demais membros da Sociedade Armorial Patafísica Rusticana,
trouxeram bom-humor, malícia, inteligência e atrevimento à capital de
concreto armado. Brother ajudou a dar graça e vida ao Plano Piloto dos
anos de chumbo. Sorte dos anjos — vai ter samba no céu.

 

 

Fonte: Lista Racial 

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