Como Machado no seu ato, eu também me antecipei a lei das empregadas domésticas – por José Ricardo D’ Almeida

Como Machado no seu ato, eu também me antecipei a lei das empregadas domésticas. Dei a ela, folga aos domingos, férias, INSS e FGTS. Ela começou a trabalhar cedo, presumo que ainda adolescente, agora é uma moça ou mulher de seus vinte e tantos anos moradora lá pelas bandas da Baixada Fluminense.

Pensei em torná-la diarista, afinal, com todos esse encargos trabalhistas não sei se poderia manter meu padrão ás custas de seu baixo salário (não vou dizer da sua extrema pobreza para não parecer cruel comigo mesmo, afinal, não quero fazer uma auto punição, apenas registar o fato de que me antecipei a lei de direitos trabalhistas, recém promulgada!)

Não, não era difícil de deduzir que um dia essa lei seria levada ao Congresso, aliás uma deputada negra, ex-senadora e ex-governadora já havia há tempos defendendo essa medida.

Também soube que Laudelina, uma pioneira na organização das trabalhadoras domésticas defendia que sua categoria fosse reconhecida como trabalhadoras saindo dessa semi escravidão.

Bem, como um bom burguês, cristão e piedoso, antecipei-me aos fatos, aliás, inevitáveis, afinal no século XXI… há quase 125 anos depois do fim da escravidão era justo que essas milhões de trabalhadoras tivessem reconhecidos seus direitos.

Bem, voltando aos meus feitos. Tive de dar-lhe uns tabefes depois de reconhecer seus direitos! Uma ironia, não? mas, não é que a ex-moleca manchou minha camisa?

Mas, isso passa, ela aceitou passivamente, apesar daquele olhar de ódio, contido, preso no canto do olho, isso passa, sou um bom patrão.

Resmungo e xingo suas desatenções, sei que não é uma empregada irlandesa da época do Império Britânico e também que não sou lorde, apesar das aparências ou do gosto!

Quero dizer a vocês, o quanto fui correto antecipando direitos de quem trabalha no seu sustento e no meu!

Quero ser um exemplo de boa conduta social e proporcionar à minha “escrava doméstica” sua integral emancipação como trabalhadora amparada nas leis, ainda que com 125 anos de atraso, mas, ainda assim nunca é tarde!

Também devo dizer a vocês que não sou nenhum Machado das letras ou das leis, mas sei que um bom cidadão deve se antecipar às falhas dos direitos, ainda que muitos dos que estão por vir, eu não concorde, mas até lá serão outros tempos e o céu, inevitavelmente nos espera. Ou o inferno, sei lá!

Obras Incompletas. Vol 0. Sem editora. Fonte: Fui

 

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Como comentário da materia: A fina ironia de Machado de Assis sobre a Abolição da Escravatura

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