Como responder a uma fascista (ou um pedido de desculpas a Eduardo Suplicy e Fernando Haddad)

Amigos e seguidores me questionaram privada ou publicamente se Celene Carvalho – a fascista que insultou, aos gritos, Eduardo Suplicy e o prefeito Fernando Haddad na Livraria Cultura, em São Paulo, há alguns dias, e cujo vídeo da agressão viralizou na internet – é mesmo filiada do PSOL. Como, no momento do questionamento, eu não sabia a resposta (afinal de contas, o PSOL tem representação em quase todo o Brasil e eu não conheço nem um centésimo dos seus filiados), eu me calei e fui pesquisar.

Por Jean Wyllys, do Brasil 247

Para minha surpresa e infelizmente, Celene era, sim, filiada ao PSOL de São Lourenço, Minas Gerais. Ela inclusive foi candidata pelo partido numa das eleições passadas. A representação do PSOL em Minas informou que já havia pedido o afastamento da fascista. Porém, como o pedido de afastamento não fora devidamente encaminhado à Comissão de Ética da direção nacional do partido, Celene continuava constando da lista de filiados do PSOL. Mas, com esse episódio, a direção nacional do partido vai acelerar a expulsão da fascista.

Apesar de criterioso e rigoroso em seu processo de filiação, o PSOL não está imune a infiltrações de pessoas que nada têm a ver com seu programa nem ideologia. Algumas dessas infiltrações se devem à disputa interna ao partido entre suas diferentes tendências; outras se devem a tentativas deliberadas, por parte de outras legendas, de desqualificar um partido cada dia mais respeitado pela opinião pública.

Creio que se Celene tenha se infiltrado no PSOL devido às disputas internas. Tendo em mente apenas a informação de que o partido nascera de uma dissidência do PT, a fascista deve ter achado que o PSOL seria terreno fértil para seu antipetismo doentio e certamente contou com o apoio de algum dirigente que pretendia usá-la nas disputas internas.

Celene nada tem a ver com o PSOL nem com suas figuras públicas. Ela está mais bem próxima do demo-tucanato (ou seja, das ideias antipetistas comuns ao PSDB e ao DEM) e dos fascistas com colunas na “grande mídia”, tanto que, em seu perfil no Facebook, pululam selfies com Aécio Neves, Reinaldo Azevedo et caterva, sem falar de sua idolatria ao juiz Sérgio Moro.

O PSOL que meus companheiros de bancada e eu representamos está tão longe de Celene que os grupelhos de analfabetos políticos pró-impechment de Dilma que atuam na internet em sintonia com parlamentares do DEM e do PSDB (grupelhos que a fascista tanto admira e dos quais compartilha postagens em seu perfil na rede social) vivem nos acusando de “linha auxiliar do PT” e duvidando da oposição que fazemos ao governo da presidenta Dilma.

Celene cabe perfeitamente naquela já clássica fotografia em que parlamentares do PSDB, DEM e PPS e outros do baixíssimo clero da Câmara Federal e “líderes” dos grupelhos de analfabetos políticos pró-impechment aparecem sorridentes e de dedo em riste ao lado do presidente da casa, Eduardo Cunha, denunciado formalmente – e com robustas provas – pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro (inclusive em igreja evangélica) e evasão ilegal de divisas. Celene comunga da mesma indignação seletiva dessa gentalha que quer o impechment de uma presidenta da República sobre qual não pesa qualquer denúncia de crime algum, mas apoia um presidente da Câmara Federal que todos sabemos ser, devido investigações dos ministérios públicos suíço e brasileiro, um criminoso contumaz e cínico.

Aliás, graças a esse apoio, os grupelhos de analfabetos políticos ganharam, de Eduardo Cunha, o direito de violarem, com a complacência e a proteção da Polícia Legislativa, o Ato da Mesa, em vigor desde 2001, que proíbe acampamentos e palanques em frente ao Congresso Nacional. O patrimônio histórico e cultural se encontra manchado pelo verde-oliva das barracas de camping caras erguidas sobre o gramado pelos grupelhos pró-impechment (ao mesmo tempo, a Polícia Legislativa proibiu que sem-teto, indígenas e movimentos que pedem o afastamento de Cunha ali se instalassem!). A imprensa não disse um “a” a respeito dessa ilegalidade! (Imaginem o que diriam se fossem as barracas do MST!)

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Antes de insultar Suplicy e Haddad, Celene fizera parte de um grupo que tentou constranger Dilma e Lula durante uma festa de casamento para qual foram convidados. Sua postura, entretanto, não é isolada nem está fora do contexto de crise política que vivemos. Ela é parte do “cotidiano autoritário” que se engendrou no Brasil durante e após as eleições de 2014 em função da linha de atuação adotada pelo PSDB e que é analisado pela filósofa Marcia Tiburi em seu novo e necessário livro “Como conversar com um fascista – reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro” (Editora Record), do qual tive a honra de assinar o prefácio.

Celene é produto da desonestidade intelectual e da má fé de editores, colunistas e articulistas que atuam na chamada “grande mídia” e que deformam o imaginário e o caráter de sua audiência com coberturas parciais, meias-verdades, boatos alçados à condição de fatos, declarações selecionadas e mentiras deliberadas. Não preciso citar seus nomes. Celene é fruto da canalhice e da demagogia da oposição de direita na Câmara Federal e no Senado, blindada por editores, articulistas e colunistas da “grande mídia”.

O episódio de Celene dá sequência ao macartismo tupiniquim (muito em vigor durante a ditadura militar!) e que já vitimou Guido Mantega, Alexandre Padilha, José Eduardo Cardoso, Stédile, Jô Soares, Marieta Severo, o rapper Flávio Renegado, os médicos cubanos, os imigrantes haitianos e o casal de intelectual de Perdizes. O mesmo macartismo que, ontem, decidiu, numa expressão sem precedentes da burrice motivada ou da má fé deliberada, atacar o último ENEM por conter questões sobre a persistente violência contra a mulher e sobre o racismo na sociedade brasileira.

Em seu maravilhoso “Como conversar com um facista”, Marcia Tiburi chama atenção para o papel da burrice – aquilo que Hannah Arendt caracteriza como “vazio do pensamento” – na banalização do mal a que assistimos ora chocados ora silentes. O fascista não pensa nem reflete criticamente: apenas repete afirmações que estão de acordo com os preconceitos que carrega em si há tempos e dos quais não conseguiu se livrar. “O fascismo é a máscara mortuária do conhecimento”, explica a filósofa em seu livro.

Os que se calam hoje diante da escalada do fascismo no Brasil, por conveniência, preguiça ou egoísmo, não têm ideia do que lhes espera no futuro se esse mal não for devidamente contido. O fascismo e o nazismo aniquilaram milhões de seres humanos com requintes de crueldade pelo simples fato de estes serem judeus, homossexuais, ciganos e comunistas. Não se esqueçam disso!

Peço muitas desculpas a Suplicy e a Haddad, homens públicos que gozam do meu respeito e da minha admiração. O PSOL repudia veementemente não só as agressões de Celene como também o antipetismo odioso expresso pela “grande mídia”, pelos partidos de oposição de direita e pelas hostes fascistas na internet (sempre juntos e misturados!). Só a parte obtusa da militância petista nas redes sociais – obtusa e adepta da má fé como sua contraparte tucana – pode achar e dizer que o PSOL endossaria essa barbárie. Por outro lado, o demo-tucanato pode me chamar à vontade de “linha auxiliar do PT” se isso significar se colocar contra a estupidez e a desonestidade intelectual dos que atacam a agenda e as figuras públicas petistas comprometidas com a justiça social!

Jamais sejamos complacentes com fascistas. Reajamos sempre às suas ações. Mas, num gesto humanitário que nos cabe, apiedemo-nos dessas almas pequenas; elas foram envenenadas por canalhas que, ao contrário de nós, estão pouco interessados num mundo mais justo e humano.

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