Coragem! Uma lição de D. Paulo Evaristo Arns

Falar de D. Paulo Evaristo Arns não é fácil. Por mais que se diga, sempre faltará muito mais a dizer. Considero-me uma pessoa de sorte, pois tive o privilégio de trabalhar durante 25 anos com ele. A grande maioria desse tempo foram os anos de chumbo, de sofrimento, de sangue e de dor, mas também anos de aprendizagens e realizações.

Por Margarida Genevois do UOL

D. Paulo Evaristo Arns (Foto: Gabriela Biló)

Trabalhar com D. Paulo era um crescimento, tornava as pessoas melhores. Sempre sério, trabalhava sem alarde, discretamente, corria riscos como se fosse a coisa mais natural – pois tinha que ser feito.

Para surpresa geral, quando se tornou arcebispo de São Paulo vendeu o Palácio Episcopal Pio XII para construir casas populares na periferia da cidade. E foi morar numa casa modesta no bairro do Sumaré. Sempre sensível ao drama dos moradores de rua, destinou o Prêmio Niwano da Paz, recebido em 1991 em Tóquio, para a construção de uma igreja e de um abrigo para quem morava nas ruas.

Com o endurecimento da ditadura militar, as famílias dos presos e dos desaparecidos buscavam D. Paulo como a última esperança para ter notícias e apoio. Vinham pessoas do Brasil inteiro e também de países vizinhos. Ele recebia a todos com atenção e carinho. E encaminhava essas famílias aos seus assessores da Comissão Justiça e Paz (CJP).

Dom Paulo era para nós um mestre, um pai, um amigo, um guia. Aquele que nos mostrava o caminho. A Comissão Justiça e Paz foi criada em São Paulo por insistência dele junto ao Papa, pois CJP só podia existir, na época, nas capitais dos países.

Dom Paulo reuniu o grupo de pessoas que formaram a primeira CJP na sua casinha do bairro de Sumaré, onde as reuniões eram na cozinha, pois a sala dava para a rua e ficava muito vulnerável. Eu era a única mulher, entre advogados e jornalistas de renome.

Os advogados informavam que diariamente eram procurados por familiares e pessoas que haviam sido presas, torturadas, machucadas, desaparecidas. Pessoas que não tinham a quem procurar para ter notícias, para salvar seus parentes. A Igreja era a última esperança para elas.

O atendimento da CJP na Cúria Metropolitana começou sendo feito uma vez por semana. Depois, passou a ser duas, três vezes, e em seguida diariamente, manhã e tarde, tão grande era o número de pessoas que procuravam D. Paulo e que ele encaminhava para nós.

Cheguei a assumir a presidência da CJP com certa insegurança, mas sabia que poderia contar com o apoio de D. Paulo. Serei sempre grata pela confiança que em mim depositava, e que retribuí com dedicação e afeto.

Durante todos os anos da ditadura, para ter notícias de presos e desaparecidos e protestar contra as barbaridades que eram praticadas diariamente, D. Paulo procurava autoridades – chefes militares ou políticos em Brasília – sem temer pela sua segurança.

Suas ações eram as mais variadas. Além da CJP e das moradias construídas com o dinheiro do prêmio que recebeu, ele acompanhava os grupos ligados à Cúria que atuavam nas periferias da metrópole, o Amparo Maternal, que reunia mães solteiras, o trabalho de Padre Júlio com os moradores de rua, e muito mais.

Passaríamos várias horas contando suas iniciativas em defesa da dignidade da pessoa humana.

E como ele nos faz falta, hoje em dia!

Estamos todos, aqui, para relembrar D. Paulo e como ele foi importante para o Brasil, para cada um de nós.

Mas estamos aqui, também, para reaquecer nossa Esperança num futuro melhor.

Dom Paulo nos ensinou uma lição: nunca deixar de ter esperança. Por mais difícil que sejam os tempos atuais (quando não sabemos como atuar para garantir que a democracia continue) precisamos acreditar que outros tempos virão.

Devemos incentivar a união daqueles que querem ver o Brasil em paz, um país onde as pessoas possam acreditar que o progresso é feito ‘pelo-e-para’ o conjunto de brasileiros.

Um país em que os governantes se empenhem em dirigir a nação buscando, como prioridade, conhecer e tratar das carências dos mais pobres.

Um país onde nós possamos pôr em prática os ensinamentos de D. Paulo, ouvindo os cidadãos, atuando com eles e divulgando suas ações para o conjunto de brasileiros.

Quando nos despedíamos dele, D. Paulo dava um tapinha nas costas e dizia: CORAGEM. E com esta palavra parece que uma corrente de forças positivas passava para nós, nos tornava mais fortes.
Era o seu jeito de nos manter animados e cheios de esperança. Que seu lema continue nos dando forças para cumprir nosso papel.

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