Cornel West: Obama é marionete de Wall Street

 

Um dos principais filósofos estadunidenses, líder cristão de esquerda e presença decisiva na campanha, declarou Obama “marionete negra dos oligarcas de Wall Street e dos plutocratas capitalistas”.

Por Idelber Avelar

A comunidade negra dos EUA está em polvorosa. Nos últimos dias, o presidente Barack Obama recebeu a mais violenta crítica de uma personalidade afro-americana desde o início de seu governo. Cornel West, um dos principais filósofos estadunidenses, líder cristão de esquerda e presença decisiva na campanha, perdeu as esperanças e declarou Obama “marionete negra dos oligarcas de Wall Street e dos plutocratas capitalistas, agora também cabeça da máquina americana de matar, e orgulhoso disso”. As declarações foram dadas a Chris Hedges, do site TruthDig, e vêm repercutindo na imprensa.

“Eu pensei que talvez ele tivesse pelo menos alguns instintos progressistas populistas que poderiam se manifestar depois das políticas cautelosas que adotou no Senado, com Joe Liberman como mentor. Mas ficou bem claro quando vi a equipe econômica neoliberal. No primeiro anúncio, de Summers e Geithner, já fiquei furioso. Pensei ‘meu Deus, eu realmente fui enganado num nível bem profundo’. Eu tinha a impressão de que ele pudesse trazer as vozes do irmão Joseph Stiglitz e do irmão Paul Krugman. Imaginei ‘ok, dada a estrutura e os limites do procedimento capitalista democrático, provavelmente é o melhor ele vai conseguir fazer’. Mas pelo menos ele teria algumas vozes preocupadas com os trabalhadores, com a questão dos empregos, das demissões e dos bancos, alguma aparência de responsabilização democrática dos oligarcas de Wall Street e dos plutocratas capitalistas que estão deitando e rolando, enlouquecidos. Eu estava completamente errado”.

“Você imagina se Barack Obama tivesse assumido o poder e deliberadamente educado e ensinado o povo americano sobre a natureza da catástrofe financeira e da cobiça que estava acontecendo? Se ele tivesse nos dito que tipo de mecanismos de responsabilização precisavam ser estabelecidos, se ele tivesse priorizado o socorro aos proprietários das casas ao invés dos bancos de investimento, e tivesse se lançado à criação massiva de empregos, ele teria decepado o populismo de direita da turma do Tea Party. Essa turma está correta quando diz que o governo é corrupto. Os grandes negócios e bancos sequestraram nosso governo e o corromperam de forma profunda. Eu não acho que eu poderia, em boa consciência, pedir a alguém que votasse em Obama.”

O ataque de Cornel West também incluiu uma série de outros elementos, mais pessoais, e por estes ele foi bastante criticado. Eles valem a pena serem lidos, não pela mágoa, mas porque são um indício de como andam as relações de Obama com West e com uma série de lideranças da comunidade negra, das quais ele parece fazer questão de manter distância: “eu costumava ligar para o meu querido irmão [Obama] a cada duas semanas. Eu rezava uma oração no telefone para ele, especialmente antes de um debate. Ele nunca me ligava de volta. Quando me encontrei com ele na Assembleia Legislativa da Carolina do Sul, durante a campanha, ele foi bastante gentil. A primeira coisa que me disse foi ‘irmão West, me sinto mal de não ter telefonado. Você tem me ligado tanto, me dado tanto amor, carinho’, e não sei mais o quê. Eu disse: ‘sei que você anda ocupado’. Mas um mês e meio depois, me encontro com as outras pessoas da campanha, e ele telefona para elas o tempo todo. Pensei ‘isso é meio estranho’. Ele não tem tempo, nem dois segundos para dizer ‘obrigado’, ou ‘me alegro de que você esteja torcendo por mim e rezando por mim’, mas está ligando para todas essas outras pessoas”.

A análise da personalidade de Obama feita por Cornel West, certa ou errada, é um testemunho das feridas raciais ainda tão nítidas nos EUA: “Eu acho que meu querido irmão Barack Obama tem um certo medo de homens negros livres. É compreensível. Ele se criou num contexto branco, com pai africano brilhante. Ele sempre teve que temer ser um homem branco em pele negra. Tudo o que ele conheceu, culturalmente, é branco. Quando ele encontra um irmão negro independente, isso lhe mete medo. Vale também para um irmão branco. Quando um irmão branco encontra um homem negro livre, independente, ele precisa ser maduro para realmente abraçar o que o irmão lhe está dizendo. Há uma tensão, dada a história. Ela pode ser superada. Obama, vindo da influência de Kansas, com avós brancos, amorosos, do Havaí e da Indonésia, quando ele encontra negros independentes que trazem uma história de escravidão, Jim Crow, Jane Crow e tudo mais, ele fica muito apreensivo. Ele sofre de um certo desenraizamento, de desarraigo.”

O veredito de West sobre os EUA pós-Obama não é nada alentador: “Talvez esta tenha sido a última chance dos EUA lutarem contra a cobiça dos oligarcas de Wall Street e dos plutocratas capitalistas, de gerarem alguma discussão séria sobre o interesse público e o bem comum, que é o que sustenta qualquer experimento democrático. Está indo embora todo o sumo democrático que temos. Mais e mais trabalhados abatidos. Cansados do mundo. Auto-medicados. Culpando-se uns aos outros. Tomando como bode expiatório os mais vulneráveis, ao invés de enfrentarem os mais poderosos. É uma resposta profundamente humana ao pânico e à catástrofe. Eu achava que Barack Obama poderia ter apontado uma saída. Mas ele não tem peito para isso.”

Fonte: Revista Fórum

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