Em Salvador, um caso de racismo no dia de Iemanjá

Três mulheres negras foram expulsas de “festa VIP” em homenagem à entidade de matriz africana por “destoarem” dos demais convidados

Por Tory Oliveira, da Carta Capital 

Foto: Aloísio Maurício/ Arena

Um caso de racismo em Salvador, a cidade com a maior população negra fora da África, turvou as festividades em homenagem a Iemanjá, realizadas tradicionalmente no bairro do Rio Vermelho, em 2 de fevereiro. O episódio de discriminação envolveu três mulheres negras e aconteceu durante a festa Odoyá Sobre o Mar, realizada nas dependências da loja de decoração Nino Decor.

Elas foram expulsas do local pelo dono do espaço, Nino Nogueira, por “destoarem” dos demais convidados. O “evento VIP” reuniu cerca de 250 pessoas em um sobrado de três andares com vista para o mar. Nos textos de divulgação da festa, consta que a “única exigência” seria usar azul ou branco.

O administrador Harley Henriques, que acompanhava as três mulheres e testemunhou o ocorrido, conta que as duas senhoras e a jovem de 18 anos foram abordadas pelo proprietário, causando constrangimento público e intimidação.

Maria Anita Lima, sua irmã Beatriz, e sua sobrinha eram convidadas do produtor cultural Moacyr Villas Boas, que tinha ingressos de cortesia pelo serviço de assessoria prestado à festa.

Maria Anita, 60 anos, conta que chegou com irmã e a sobrinha no final das festividades. “Encontramos a pessoa que nos convidou e entramos normal. Quando chegamos lá, as pessoas olhavam como se a gente fosse de outro mundo. Pela cor, talvez, e pelas vestes que para eles não eram adequadas”, relata.

Segundo testemunhas, Nino teria segurado a sobrinha de Maria Anita pelo braço e questionado o que ela estaria fazendo ali. De acordo com Villas Boas, além de reprovar publicamente a presença das mulheres, Nogueira teria dito a ele para “deixar a empregada em casa”. Procurado pela reportagem, Nogueira negou a acusação de racismo e alegou que as mulheres não estavam na lista de convidados.

“Elas não foram barradas na entrada da festa, pela lista, mas sim pelo dono da festa”, rebate Villas Boas. “Foi uma junção de preconceito racial com social. Tenho certeza que se eu convidasse dois amigos brancos, isso tudo passaria batido”.

O caso de racismo foi registrado em boletim de ocorrência na 7ª Delegacia do Rio Vermelho, no dia seguinte. “Muita gente deixa passar, não dá queixa, não faz nada. Mas é o certo denunciar. É muito ruim saber que ele fez isso pela nossa cor de pele”, diz Lima. “Por ser negra, não sou pior do que ninguém. Eu sei que pode não dar em nada. Mas ele vai ter pelo menos um pouco de dor de cabeça”, afirma.

Denúncias

Discriminar uma pessoa por raça e cor é crime no Brasil desde 1989, quando entrou em vigor a Lei 7.716, a chamada Lei Caó –homenagem a seu autor, o então deputado e ativista do movimento negro Carlos Alberto de Oliveira.

Entre os casos punidos pela legislação, está impedir que cidadãos negros entrem em restaurantes, bares ou edifícios públicos ou utilizem transporte público (pena de reclusão de um a três anos).

Além dos crimes de racismo, também há a conduta chamada de injúria racial (artigo 140 do Código Penal), que se configura pelo ato de ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. A injúria racial se dirige contra uma pessoa específica, enquanto o crime de racismo é dirigido a uma coletividade.

Além de registrar a ocorrência em delegacia, também é possível denunciar os casos por meio do telefone. As vítimas podem ligar no número 156 e escolher a opção 7. O serviço funciona de segunda a sexta das 7h às 19h. Aos sábados, domingos e feriados o horário de expediente é das 8h às 18h.

+ sobre o tema

Combater violência contra jovem negro será prioridade, diz Secretaria da Juventude

A socióloga Helena Abramo, representante da Secretaria Nacional de...

Apresentadora do tempo vítima de racismo desabafa em vídeo na Bélgica

Apresentadora do tempo numa rede de televisão belga, Cécile...

Cotas na UnB: carta da SEPPIR enviada aos jornais O Globo e O Estado de São Paulo

Em sintonia com o espírito democrático vivenciado em nosso...

Homem que denunciou racismo de vereador é demitido de condomínio

No dia 23 do último janeiro, Izac Gomes denunciou...

para lembrar

O estereótipo que estimula policiais brutamontes

Ao ingressar em qualquer profissão, o indivíduo é submetido...

Professor monta museu de r$ 2,4 milhões sobre racismo

Uma coleção de objetos antigos expostos nos Estados Unidos...

A cerveja, a comida e um corpo estendido no chão

Nada pode ser mais preocupante que a indiferença diante...
spot_imgspot_img

OAB suspende registro de advogada presa por injúria racial em aeroporto

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) suspendeu, nesta terça-feira (25), o registro da advogada Luana Otoni de Paula. Ela foi presa por injúria racial e...

Ação afirmativa no Brasil, política virtuosa no século 21

As políticas públicas de ação afirmativa tiveram seu marco inicial no Brasil em 2001, quando o governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho sancionou...

Decisão do STF sobre maconha é avanço relativo

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades....
-+=