Espetáculo teatral ‘Traga-me a cabeça de Lima Barreto’ discute eugenia e racismo

A Cia dos Comuns estreia em 14 de abril seu mais novo projeto artístico-investigativo-formativo: o monólogo teatral ‘Traga-me a cabeça de Lima Barreto’. O espetáculo, interpretado pelo ator Hilton Cobra, com direção de Fernanda Júlia (do Nata – Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas) e dramaturgia de Luiz Marfuz, propõe uma imersão na contribuição da obra do provocativo escritor, celebrando os 135 anos de seu nascimento, os 15 anos da Cia dos Comuns e os 40 anos de carreira artística de seu diretor Hilton Cobra.

Do Jornal do Brasil

O texto, fictício, parte logo após a morte de Lima Barreto, quando os eugenistas exigem a exumação do seu cadáver para uma autópsia e para esclarecer “como um cérebro inferior poderia ter produzido tantas obras literárias – romances, crônicas, contos, ensaios e outros alfarrábios – se o privilégio da arte nobre e da boa escrita é das raças superiores?”. A partir desse embate com os eugenistas a peça mostrará as várias facetas da personalidade e da genialidade de Lima Barreto, sua vida, família, a loucura, o alcoolismo, sua convivência com a pobreza, sua obra não reconhecida, racismo, suas lembranças e tristezas.

Foto: Valmyr Ferreira

Hilton Cobra, que criou a Cia dos Comuns em 2001 com o propósito de trazer à cena uma cosmovisão artisticamente negra especialmente no âmbito das artes cênicas , sendo responsável pelas montagens A Roda do Mundo, Bakulo – os bem lembrados,  Silêncio e a premiada Candaces – a reconstrução do fogo, fala da motivação para encenar o espetáculo:  “É uma felicidade discutir eugenia e racismo a partir de Lima Barreto. O eixo da nossa dramaturgia é quando Lima Barreto morre e os eugenistas pedem que exumem seu cadáver para fazer uma autopsia e tentar descobrir como um cérebro de raça inferior (ou seja, negro) poderia ter produzido tantas obras literárias – romances, crônicas, contos, ensaios e outros, se o privilégio da arte e da boa escrita é das raças superiores? Também é um reconhecimento à Lima – um autor tão pisoteado, tão injustiçado, que pensou tão bem esse Brasil, abriu na literatura brasileira “a sua pátria estética” os pisoteados, loucos, os privados de liberdade – esses são os personagens de Lima Barreto. Acredito que Lima Barreto deve ter sido, se não o primeiro, um dos primeiros autores brasileiros que colocaram esse “submundo” em qualidade e com importância dentro de uma obra literária”.

Responsável pela direção do espetáculo Fernanda Julia, que é diretora e produtora do Nata de Alagoinhas, conta como o trabalho que vem realizando contribuiu no processo de direção: “O diálogo crítico e politizado sobre negritude é um disparador potente do fazer cênico do Nata. Esses elementos foram fundamentais para que eu percebesse quais caminhos trilhar na construção do espetáculo. Sou uma provocadora e problematizadora por natureza, e acho que a encenação deve seguir este caminho – provocar a reflexão e problematizar o que está posto. São dois caminhos que sigo e que fundamentam minhas escolhas poéticas e estéticas. Sou uma encenadora negra e afirmativa, desejo sempre colocar em cena a beleza, a grandiosidade e as vitórias do meu povo.” Explica Fernanda.

O projeto de montagem teatral realizará também uma oficina para atores, a ‘Cemitério dos vivos – Uma investigação sobre a loucura’ministrada por Fernanda Julia, Hilton Cobra e Duda Fonseca e a palestra ‘Duas ou três coisas que sei sobre Lima Barreto’, com a participação de Conceição Evaristo e Beatriz Resende.

Ficha Técnica

Ator: Hilton Cobra | Dramaturgia: Luiz Marfuz | Direção: Fernanda Júlia | Cenário: Márcio Meireles | Desenho de Luz: Jorginho de Carvalho | Figurino: Biza Vianna | Direção de Movimentos: Zebrinha | Direção Musical: Jarbas Bittencourt | Direção de Produção: Tania Rocha | Produção executiva: Afonnso Drumond | Design gráfico: Bob Siqueira e Gá

Participações especiais (voz em off): Frank Menezes, Harildo Deda,  Hebe Alves,  Rui Manthur e Stephane Bourgade

Serviço: Traga-me a cabeça de Lima Barreto

Data: 14 de abril a 07 de maio: sexta e sábado às 19h; domingo às 18h

Local: Sala Multiuso do Sesc Copacabana – Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana

Ingressos: R$ 25,00 | R$ 12,00 estudantes e idosos | R$6,00 associados Sesc

Classificação indicativa: 14 anos

Oficina: ‘Cemitério dos vivos – Uma investigação sobre a loucura’

Data: 17 de abril, de 10h às 14h

Ministrada por Fernanda Julia, Hilton Cobra e Duda Fonseca, abordará a “loucura” e suas reverberações na construção da montagem do espetáculo ‘Traga-me a cabeça de Lima Barreto’ e do trabalho de ator do próprio Hilton Cobra. Tendo a loucura como universo principal a ser trabalhado é necessário tornar o corpo disponível, doado. Utilizará a capoeira buscando atingir um corpo em estado de alerta, prontidão para que o ator possa fazer fluir sua imaginação, experimentar-se vocal e corporalmente. Por possuir a loucura como disparador cênico, esta oficina visa trabalhar conteúdos teatrais como prontidão, imaginação, pré-expressividade, expressão vocal e corporal, improvisação e análise discursiva. Deste modo pretende-se oportunizar aos atores e as atrizes que dela participarem um enriquecimento e uma reflexão profundos sobre o fazer do ator e suas implicações éticas, políticas e filosóficas.

Palestra: ‘Duas ou três coisas que sei sobre Lima Barreto’

Data: 27 de abril, de 19h às 21h30

Trata-se de um evento cênico-literário com Conceição evaristo e Beatriz Resende, que englobará uma mesa de debates e um recital sobre a vida e obra do escritor Lima Barreto, propondo uma reflexão teórica e artística e ao mesmo tempo, provocando um entendimento global de sua literatura e de seu discurso político e filosófico.

Cia dos Comuns: (Anna Paula Black, Gabriela Luiz, Cridemar Aquino, Sarito Rodrigues e Valéria Monã)

+ sobre o tema

Strauss: ‘Os conflitos africanos estão em declínio”‘

    Os eventos recentes no Mali, na República Central Africana,...

Eleição presidencial no Chile opõe ex-amigas de infância

Uma coincidência marca as eleições presidenciais do Chile...

Os negros nas histórias em quadrinhos – parte 2

A Era de Prata (1956 – 1969) Ebulição Social...

Dança música, percussão e pesquisa, conheça o Grupo Afrolaje

A ASSOCIAÇÃO CULTURAL GRUPO AFROLAJE – dança música, percussão...

para lembrar

CUIR- Filme e Experimento- América Latina

Em junho, uma pauta social relevante ganha especial projeção...

Livro retrata três séculos de escravidão no Brasil

Se por um lado não há o que comemorar...
spot_imgspot_img

Festival de cultura afro abre inscrições gratuitas para vivências artísticas no Recife

O Ibura, terceiro maior bairro localizado na Zona Sul do Recife, onde estão concentrados mais de 70% da população autodeclarada negra ou parda, abre...

Autores negros podem concorrer a prêmio com romances inéditos

Novos autores negros com romances inéditos ainda podem participar do Prêmio Pallas de Literatura 2024, cujas inscrições foram prorrogadas até as 15h do dia...

Gilberto Gil anuncia aposentadoria dos palcos após série de shows em 2025

Gilberto Gil vai se aposentar dos palcos no ano que vem, confirmou sua assessoria de imprensa neste sábado (29). Aos 82 anos, o cantor e...
-+=