Valentes para atacar bandidos, políticos não têm coragem de reconhecer tragédia
por Bruno Boghossian no Folha de São Paulo
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Primeiro, o Exército fuzilou o carro de uma família no Rio. Foram mais de 80 tiros no Ford Ka em que estavam Evaldo Rosa dos Santos, a mulher, o filho, o sogro e uma amiga. Depois de matarem o músico, os militares mentiram. Alegaram que só revidaram um ataque de criminosos, matando “um dos assaltantes”. Por fim, consumada a tragédia, os governantes decidiram ficar calados.
Um Estado que encoraja o bangue-bangue e atira oito dezenas de vezes contra um inocente abriu mão de seu papel na segurança pública. A morte de Evaldo é mais um sintoma das décadas de fracasso no combate ao crime e à violência, turbinadas pelo estímulo à barbaridade das execuções extrajudiciais.
Os políticos que incluíram o incentivo à matança em seus programas de governo agora preferem o silêncio. Aqueles que soam valentes para dizer que a polícia “cancela CPFs” ou manda bandidos “para o cemitério” em suas operações não tiveram coragem de reconhecer o desastre.
Wilson Witzel, o governador que manda “mirar na cabecinha”, disse que não cabia “fazer juízo de valor ou tecer crítica”, porque sua Polícia Militar não estava envolvida no caso.
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Jair Bolsonaro também fingiu que não era com ele. Jornalistas perguntaram três vezes ao porta-voz do Planalto o que o presidente achava do episódio. Nas três vezes, ele só respondeu que o governo esperava a conclusão do inquérito para que “tenhamos o caso totalmente elucidado”. Sobre o fuzilamento em si, nada.
O principal plano de políticos que se consideram rigorosos com o crime é distribuir licenças para matar. Num dia, eles sorriem ao condecorar militares e policiais que acertaram bandidos. Noutro, eles se recusam a encarar os abusos e erros cometidos sob essa autorização.
Mortes em conflito deveriam ser tratadas como exceção, não como regra. Governantes que pregam o fuzilamento como política de segurança precisam saber que o assassinato de um inocente na frente do filho de sete anos pode estar dentro do arco de consequências de seus métodos.