Ex-modelo que se tornou mendigo reacende o debate sobre racismo no Brasil

Alto, de olhos azuis e perambulando pelas ruas de uma cidade no sul do Brasil envolvido numa manta, Rafael Nunes, ex-modelo brasileiro (atualmente conhecido como o mendigo fotogênico de Curitiba), ganhou a atenção internacional depois que sua foto e história alcançaram as páginas do Facebook e do Twitter.

Rafael, 30 anos, acabou nas ruas devido ao vício em crack e cocaína, e sua história só foi revelada depois que Indy Zanardo, uma turista, foi por ele abordada e lhe perguntou se podia tirar uma foto. Depois de postar a foto de Rafael no seu mural no Facebook, Indy Zanardo explicou que:

Este rapaz chegou ate mim nas ruas de Curitiba e me pediu se eu poderia tirar uma foto dele e eu perguntei para que, ele me respondeu: Para colocar na “radio” quem sabe eu fico famoso :) … Na “radio” eu nao posso por mas aqui no mural do meu Face sim, e ele sera famoso entre meus amigos.

Além da reação geral à sua boa aparência e à terrível história do seu vício em drogas, o debate sobre o caso de Rafael evoluiu para uma discussão de fundo racista a respeito de como a sociedade brasileira só reage com indignação a situações de exclusão social quando os afetados são brancos, com “cara de europeu”.

Embora a sociedade brasileira seja uma das mais racialmente diversas do mundo, o topo da pirâmide socioeconômica [en] do país ainda é majoritariamente ocupado por brasileiros brancos, e a maioria dos indicadores sociais relacionados à educação, ao acesso à saúde e ao emprego aponta para uma esmagadora vantagem deste grupo.

O blogueiro Robson Fernando Souza, do consciencia.blog.br, argumenta que pouquíssimas pessoas teriam reagido da mesma forma caso se tratasse de um mendigo afro-brasileiro:

Em outras palavras, para nossa sociedade, não é normal ver em mendicância e miséria um branco de aparência europeia. Para ela, brancos merecem muito mais do que isso. Mas, por outro lado, negros nas ruas pedindo esmolas e implorando por dignidade é considerado algo mais que normal.

Fatima Tardelli, que escreve para o Bule Voador, argumenta que os padrões brasileiros de beleza estão baseados exclusivamente em características que são típicas da mulher e do homem brancos (pele clara, olhos azuis, cabelos lisos). Um claro sinal — perigosamente ignorado pela sociedade — de que existe no Brasil uma percepção racial hierárquica. Exemplificando tal percepção distorcida, ela afirma que:

Outras pessoas em vários portais mostraram-se assustadas com o fato de um homem branco ‘bonito’ ser mendigo, chegaram a dizer que era golpe de marketing ou viral. Alguém já pensou do porquê desse ‘susto’?

Um outro sinal dessa negação social é que a discussão no Twitter girou basicamente em torno de que Rafael deveria estar num desfile de moda, e não nas ruas. Pouquíssimos pareceram ter compreendido a questão social central que torna um sem-teto branco de olhos claros uma sensação enquanto que há milhares de mendigos negros e mestiços que são “invisíveis” aos olhos da sociedade brasileira.

No Twitter, a jornalista Jéssica Batista (@jessicabatista) ironicamente destacou como, em casos como este, existem “dois pesos e duas medidas”:

O mendigo de Curitiba foi pra rehab. Legal. Mas só pq era branco de olho claro e todos ficaram com dó. CLAP CLAP CLAP

Certamente é positivo que a reação da mídia tenha ajudado a trazer à lume o drama individual de Rafael e tenha lhe dado a oportunidade de recomeçar a vida após um período de reabilitação. Todavia, como Fatima Tardelli e outros internautas destacaram, o grau de surpresa e de indignação para com a situação de Rafael — quando na maior parte do tempo as pessoas simplesmente ignoram os indigentes e seus dramas pessoais — é sintomático de um problema social mais grave.

Em sua base está a aceitação histórica de que raça e pobreza são mutuamente inclusivas — e, portanto, “aceitáveis” quando se trata de um negro –, ao invés da percepção de que são o produto de séculos de exclusão social e de políticas públicas de visão estreita, que só recentemente começaram a considerar a questão da raça e da desigualdade num país em que mais de 51% da população é considerada afrodescendente.

 

 

Fonte: Global Voice

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