Fátima Oliveira: Carneirice, de direita ou de esquerda, dá dó

“Há uma justa medida em todas as coisas; existem, afinal, certos limites”

A ADVERTÊNCIA DO ROMANO HORÁCIO CONTRA OS EXCESSOS

Por Fátima Oliveira

Est modus in rebus, sunt certi denique fines” é frase do poeta romano Horácio (65 a.C.-8 a.C.) “em que ele adverte contra os excessos e recomenda a moderação.

Literalmente: Há uma justa medida (modus) em todas as coisas (rebus); existem, afinal, certos limites (Livro I, Sátira 1). É usada principalmente em tom de advertência, quando queremos sugerir que alguma coisa está passando do tolerável” (professor Cláudio Moreno).

Citando Horácio, tento responder a questionamentos sobre o que escrevi ultimamente, a exemplo de “Marco Feliciano tira sarro da cara de todo mundo porque pode” (O TEMPO, 2.4.2013); “Interdição racista: banheiros luxuosos não são para negros” (O TEMPO, 23.4.2013); e “O secularismo e o laicismo contra a intolerância religiosa” (O TEMPO, 30.4.2013).

A frase também dá conta de se imiscuir no debate político em curso sobre a sucessão presidencial, que, daqui da minha esquina da vida, tem muito de tintura surreal, mas é uma boa diversão. Cito Horácio como um chamado ao livre pensar, valendo para governistas e oposicionistas, mesmo sabendo que, chamados à sensatez, muito provavelmente cairão no vazio, quando os contendores de uma peleja não se importam de fatigar a plateia. E eu sou plateia, embora tenha lado definido.

Mas a frase de Horácio é uma panaceia, pois também vale para a plateia, sobretudo aquela que tem voz nas chamadas redes sociais e que, às vezes, se faz de surda, abrindo mão de usar seus neurônios e adotando como regra do viver a carneirice – o mesmo que “sheeple“, do inglês sheep (ovelha) + people(pessoas) -, conforme a sabedoria popular que diz que o hábito de um rebanho de ovelhas de seguir umas às outras pode levar o rebanho a cair no precipício.

Pontuo que carneirice política tem muito de fanatismo.

E a carneirice, seja de direita ou de esquerda, dá dó, pois é de uma previsibilidade e mesmice que não servem ao debate, nem à ampliação da compreensão política nem à luta de ideias, apenas causa enorme fadiga! E fadiga em política, todo mundo sabe, embora a maioria não aprenda a tirar lições, é caminho seguro para a perda de votos.

Sabe-se que voto que se volatiliza solidifica discursos amorfos, aventureiros, personalistas e messiânicos de matiz e da matriz “salvadora da pátria”, pedra já cantada no primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, como registrei em “A pequena burguesia viajou na onda da alta burguesia” (O TEMPO, 19.10.2010): “Na reta final da campanha, todas as frações da alta burguesia se mobilizaram, coesas, para incensar Marina para garantir Serra no segundo turno! E se valeram de outro regato para jogar água no moinho da luta de classes: o fervor religioso fundamentalista, que deu voto verde fundamentalista. Usemos de franqueza: a façanha de Marina é trágica. No fundo, e de cálculo pensado, serviu de escada para o conservadorismo e ainda canta vitória!”. E pior: acha, candidamente, que possui um curral eleitoral de quase 20 milhões de votos!

Destaco que escada, em política, se constrói. Não é à toa o empenho do PSDB em materializar a escada Eduardo Campos e a escada Marina. E contra as escadas, só há um caminho: a elevação da consciência política e sua decorrência direta, o pensamento crítico, sobretudo dos milhões que ascenderam à classe média nos últimos dez anos. Ainda há tempo, pois é temerário “esquecer-se dos milhões de recém-chegados à classe média (pequena burguesia), que, nela instalados, tendem a adotar valores políticos e morais da classe a que chegaram”.

 

 

Fonte: Jornal O tempo

+ sobre o tema

A saga de uma Nobel de Economia pelo ‘Pix do desastre climático’

Mesmo com seu Nobel de Economia conquistado em 2019,...

Vitória da extrema direita na França afetará guerras, Mercosul e clima

Uma vitória da extrema direita ameaça gerar um profundo...

Extrema direita francesa choca com slogan: ‘Dar futuro às crianças brancas’

O avanço da extrema direita na França abre caminho...

para lembrar

Como a reforma eleitoral pode afetar candidaturas de mulheres e pessoas negras

O projeto de reforma eleitoral, que corre à “toque...

Barbosa critica partidos e quer participação popular direta

Para presidente do STF, partidos estão "desgastados" e "sem...

Mercedes Sosa – La negra, La Tukumana e La Hermana

por: Eloá Kátia Coelho Hoje eu chorei... E...

O dia em que vendi coxinhas na manifestação

meu vizinho comprou um food truck e deixou na...

Supremocracia desafiada

Temos testemunhado uma crescente tensão entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Essa tensão não decorre, no entanto, apenas do ressentimento de...

Na USP, professor deixa legado de R$ 25 milhões – e um recado às elites

Stelio Marras é professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e construiu toda sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), da graduação...

Prefeitura de SP omite de Moraes caso de mulher que teve aborto negado por falta de profissionais

Ao menos uma mulher teve o procedimento de aborto legal negado no Hospital Municipal Cármino Caricchio, localizado no Tatuapé, na zona lesta da capital paulista, por...
-+=