Fernando Molica: Um monumento para os cinco jovens

As dezenas e dezenas de balas que mataram aqueles garotos foram compradas com nosso dinheiro

Do O Dia

O assassinato de cinco adolescentes em Costa Barros é um desses casos que, por conta da brutalidade, têm força para romper com a passividade com que muita gente lida com os absurdos nossos de cada dia. Os números que indicam mortes violentas de jovens negros pareciam não ter mais força para mobilizar uma sociedade que, com frequência, age como se estivesse anestesiada, incapaz de reagir. Mais, com frequência se trata de um silêncio cúmplice, que estimula os assassinatos daqueles que, pela pobreza e cor da pele, são identificados como bandidos.

Não basta punir os PMs, os homicidas e os oficiais que, segundo as investigações, receberam ordens de um fabricante de bebidas para mandar policiais ao local onde haveria saque a um caminhão da empresa (são quase inacreditáveis os fatos relacionados ao episódio). O fuzilamento de Roberto de Souza Penha, Carlos Eduardo da Silva de Souza, Cleiton Corrêa de Souza, Wesley Castro Rodrigues e Wilton Esteves Domingos Junior tem que virar um marco da luta contra o preconceito, a exclusão e a violência policial.

Em 1988, três operários foram mortos por tropas do Exército que invadiram a CSN. A barbárie acabou eternizada num monumento erguido em Volta Redonda. Algo semelhante precisa ser feito agora: monumentos existem para celebrar, mas também para ressaltar tragédias que não podem ser esquecidas, testemunhos que devem ser observados e reverenciados por sucessivas gerações. Roberto, Carlos Eduardo, Cleiton, Wesley e Wilton — vale repetir seus nomes — se transformaram em símbolo. Foram executados por funcionários públicos, homens que, supostamente, atuavam em nome de cada um de nós que, com nossos impostos, pagamos sua formação e suas armas. As dezenas e dezenas de balas que mataram aqueles garotos foram compradas com nosso dinheiro.

É preciso mostrar que não concordamos com a essa e com tantas outras execuções. É fundamental para a nossa consciência e para o futuro da sociedade dizer aos pais, parentes e amigos de Roberto, Carlos Eduardo, Cleiton, Wesley e Wilton que aqueles policiais não agiram em nosso nome, que estamos chocados com o que eles fizeram. Mais: este recado tem que ser dado de forma muito clara, de um jeito que iniba outros crimes. Além de condenar os implicados na chacina, o Estado precisa ser constrangido a atuar para evitar novos casos. E é necessário que esta autocrítica seja também exposta em metal e concreto, num monumento que eternize a memória daqueles garotos e sirva de advertência para todos.

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