Filme “Mudança” junta Welket Bungué e Joacine Katar Moreira

A deputada Joacine Katar Moreira é um dos rostos que se destaca na curta-metragem de Welket Bungué, que estreia esta segunda-feira (28.09) na plataforma online do Teatro do Bairro Alto, em Lisboa. O projeto digital, inspirado na interculturalidade que caracteriza a capital portuguesa, nasce no âmbito do programa “Essenciais” e do confinamento imposto pela pandemia de Covid-19.

O realizador explica que elegeu a deputada do Parlamento português também pela sua visibilidade. “Não somente por ela ser deputada, mas também por ser uma cidadã que incansavelmente assume esta batalha ou premissa, que é congregar, trazer uma certa convergência honesta, transparente, visando justamente celebrar as diferenças que não devem servir para nos separar, mas sim para nos aproximar”, justifica.

Por seu lado, Joacine Katar Moreira – que na última quinta-feira (24.09) apresentou o seu livro “Matchundadi: Género, Performance e Violência Política na Guiné-Bissau” – aceitou o convite e o desafio de representação em palco, entre outras razões, porque o realizador guineense é já uma referência para muitos afrodescendentes.

“Mas eu não estava à espera que este homem, no momento em que está a começar a ter o reconhecimento nacional e internacional resolva efetuar uma curta metragem de uma deputada negra alvo de muito ódio, de muita desinformação e de muito escárnio”, confessa a deputada.

“Herança sensorial” das tradições Bijagós

“Mudança” conta com a participação de quatro mulheres portuguesas afrodescendentes e tem um objetivo bem claro. “O filme baseia-se naquilo que considero ser a herança sensorial das tradições Bijagós, arquipélago que fica na Guiné Bissau”, diz Welket Bungué. “Uma vez que estamos impossibilitados de estar juntos é também por isso que surge o programa ‘Essenciais’. Temos que fazer uso deste artifício que nos permite esta omnipresença através do conteúdo digital.”

O realizador já tinha captado imagens da floresta amazónica e do Parque Natural de Itatiaia, no Brasil, que fazem parte do seu arquivo filmográfico, para agora “de alguma maneira construir visual e sensorialmente a paisagem natural do arquipélago dos Bijagós”, explica.

As imagens ganham força com a musicalidade do artista guineense Mû Mbana. Incluem pinturas concebidas em Paris por Nú Barreto e compõem a pluralidade não só de formas de expressão, mas também de linguagem visual, sonora e física, completada com a presença dos atores em palco.

Diz o realizador que, graças ao dispositivo cinematográfico, em tempo de pandemia, o público vai poder ver Joacine Moreira com outro tipo de caraterísticas e fragilidades que vão, com certeza, humanizá-la para lá daquilo que tem vindo a ser o seu escrutínio político.

“O filme ganha muito com a presença dela, mas sobretudo é Portugal que ganha, porque é uma cidadã que consegue mostrar outro tipo de valências e que consegue agregar não só aquilo que é a opinião pública relativamente à sua pessoa, mas também relativamente ao desejo de unidade e de parcialidade que a diáspora africana procura aqui em Portugal”, sublinha.

“Nada une mais do que a arte”

Recentemente, a deputada foi alvo de ameaças de morte por neonazis ligados à extrema direita. Joacine Katar Moreira é a defensora de mais visibilidade e representatividade dos negros e afrodescendentes em Portugal. A mudança, na sua opinião, visa alcançar mais igualdade e mais justiça social, contra o racismo que ainda vinga na sociedade portuguesa. “E a arte tem este âmago maravilhoso que é a união. Nada une mais do que a arte”, sublinha.

Welket Bungué: “Há ainda um caminho a percorrer”

Na ótica de Joacine Moreira, o seu conterrâneo Welket Bungué é exatamente a representação daquela mudança ainda necessária na sociedade e na cultura portuguesas. “O reconhecimento que eu tenho pela sua figura, pela sua enorme qualidade artística, afinal, ele também tem reconhecimento pelo meu trabalho, a minha participação política e o meu contributo para a sociedade”, afirma.

Para Bungué, a presença ainda reduzida de negros no teatro e no cinema em Portugal não é gratuita. “É uma presença que resulta de um trabalho incansável por parte dos sujeitos dessa desigualdade e dessa iniquidade que faz com que muitos dos artistas negros, digamos racializados – ou por outras palavras não brancos – se vejam remetidos para um lugar de desvalorização. Esses artistas, muitas vezes, são chamados apenas para cumprir papéis temáticos ou para representarem personagens estereoestipadas para as quais são condicionados a terem que interpretar”, lembra o realizador.

Mais diversidade étnico-cultural em Portugal

O ator guineense defende um novo paradigma de representatividade, neste caso, no cinema, dando ao público a possibilidade de ver uma maior diversidade étnico-cultural nos conteúdos audiovisuais portugueses. “Se isso está a acontecer, não acontece ainda na medida em que deveríamos estar neste momento. Há ainda um caminho a percorrer. É um caminho que tem vindo a ser percorrido há bastante tempo”, sublinha.

Muito do que é difundido em termos de cinema não são projetos com o suporte das estruturas de produção por excelência. Segundo o realizador, que critica atitudes racistas ainda existentes na sociedade portuguesa e a falta de oportunidades, muito do que é produzido resulta de um trabalho de resgate, de resistência, de resilência e de subversão, em busca da afirmação.

Pela sua temática, o filme está pensado para passar também nas salas de cinema e em festivais internacionais, nomeadamente em Portugal e no Brasil. Não há datas definidas, mas a sua exibição na Alemanha está nos planos do artista transdisciplinar guineense, que vai estar a 17 de outubro em Colónia para participar no DiverseCity-Tag, no âmbito da Kulturbunker Mülheim, onde fará uma comunicação sobre interculturalidade e imigração na contemporaniedade.

 

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