Hamilton Borges Walê: “Somos profundamente racistas”

Carla Bittencourt

A violência contra jovens negros na periferia de Salvador é a denúncia constante de Hamilton Borges Walê, 46, militante do Movimento Negro Unificado desde 1985 e uma das vozes mais atuantes do país contra o encarceramento e a execução dos negros, maioria no território baiano. Coordenador da Quilombo X – Ação Cultural Comunitária e da campanha Reaja ou Seja Morta, Reaja ou Seja Morto, Walê (que em iorubá quer dizer “o que volta”) traz insistentemente ao debate casos de assassinatos cometidos por policiais ou integrantes de grupos de extermínio. Uma realidade que mostrou este ano a Spike Lee, quando o cineasta norte-americano esteve em Salvador para gravar o filme Go Brasil Go. Walê não é um homem de meias-palavras. Divide a sensibilidade no trabalho dentro de penitenciárias ou no acolhimento às famílias das vítimas com o pulso firme com que organiza, por exemplo, a marcha contra o genocídio do povo negro, levando cinco mil pessoas ao centro da capital baiana, em agosto. Pouco depois, ele teve a casa rondada por policiais, fato interpretado como intimidatório por diversos militantes. Mas o baiano criado no Curuzu, com formação em teatro e atualmente estudante de direito, não se intimida. Reage em parceria com a Anistia Internacional, incentivando que todas as pessoas escrevam cartas de denúncia. Nesta conversa, Walê fala sobre Mandela, racismo e a necessidade de um novo modelo de segurança pública.O que fica de ensinamento para a

Bahia que foi visitada por Nelson Mandela?

Mais do que visitada por Mandela, a Bahia foi fundamental na luta pela liberdade. Mandela me ajudou a deixar meu punho em riste. A herança que ele deixa é de luta, porque a situação a que estamos submetidos na Bahia é semelhante à da África do Sul. Não em termos de regime, temos um regime supostamente democrático, mas, na prática, vivenciamos o apartheid, a divisão da cidade baseada na cor da pele.

Qual a peculiaridade do racismo na Bahia em relação ao resto do país?

Nós somos a maioria da população do estado. Recentemente, Spike Lee nos entrevistou para seu documentário Go Brasil Go, e falamos disso (o cineasta norte-americano filmou em Salvador durante o Carnaval deste ano). A peculiaridade da Bahia é uma contradição. Todo o capital político, simbólico, é negro. Se tirar as coisas negras da Bahia, a música, a culinária, a religiosidade, o que é que sobra? No entanto, somos as pessoas mais vitimadas pelas mortes violentas. A pergunta de Spike Lee foi: “Por que a Bahia tem maioria negra e não elege um homem negro, uma mulher negra para comandar esse estado?”. A resposta é simples: porque somos profundamente racistas. Há um processo civilizatório em que os brancos dominam as instituições baianas e em que somos tão perigosos que o controle contra nós é muito maior. Por isso, é necessário uma luta cada vez mais dura e insistente, mas sem concessões, contra o racismo.

 

 

Fonte: A Tarde

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