Haverá dia seguinte após a abolição da Lei Áurea?

Na toada em que o Brasil vai, não é de se duvidar que o que parecia humor político de crítica ao desmonte dos direitos que conferem cidadania a seu povo, poderá concretizar-se. Circulou no Twitter que o atual governo cogitava abolir a Lei Áurea! Era um humor-terror tão surreal que parecia engraçado pelo absurdo que representa, a um ponto que perde para o inferno de Dante Alighieri, na “Divina Comédia”!

Por Fátima Oliveira Enviado para o Portal Geledés

Relembro o teor da Lei Áurea:

“Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, Declara extincta a escravidão no Brazil.

A Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral decretou e Ella sanccionou a Lei seguinte:

Art. 1º: É declarada extincta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brazil.

Art. 2º: Revogam-se as disposições em contrario”.

13 de maio de 2017 – hoje, além do Dia da Abolição da Escravatura, por ter oficializado o fim do cativeiro negro, também é Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo –, a Lei Áurea completará 129 anos. Em 1888, 16 anos após o último Censo do Império (1872), beneficiou 750 mil do total de 1,5 milhão de escravos, pois metade dos escravos eram “forros” por seus próprios meios.

Eis o contexto da oficialidade do fim da escravidão negra: “Exatos 90 dias separam a Lei Áurea do fim do Império e do advento da República, tão insana para negros quanto o Brasil Colônia, que instaurou a escravidão, e o Império e suas leis que impediam o acesso dos escravos à escola: decreto complementar à Constituição de 1824; e à terra: Lei da Terra, de 1850, cuja posse, para negros, só era permitida via compra!” (“Os dias seguintes à Abolição da Escravatura”, O TEMPO, 2008).

Sueli Carneiro, em “A carta da Princesa” (2008), relembra que “três meses após a data dessa carta, a princesa e o imperador foram depostos e desconhece-se o destino dos tais fundos. É o Brasil desde sempre”. Acrescenta o conteúdo da carta da princesa Isabel, de 11 de agosto de 1889, para o visconde de Santa Victória, que doou mais de 2/3 da venda de seus bens ao Império “para prover condições dignas de sobrevivência e inserção da população ex-escrava na sociedade brasileira: ‘Com os fundos doados pelo Senhor, teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos’”.

Percebe-se hoje que a mentalidade escravocrata é arraigada nos meios políticos e se expressa bem no atual parlamento nacional, que conta com número expressivo de descendentes de senhores de escravos. Vide a aprovação da terceirização geral e irrestrita sob a chancela da Presidência da República e do patronato escravagista para postergar a aposentadoria até a morte, tal como consta no que estão chamando “reforma da Previdência”, que evidencia um retorno ao trabalho vitalício e escravo, um roubo de futuro do nosso povo. As senzalas do patronato desejam mais: o fim da Lei Áurea!

Afrodescendentes constituem mais da metade do povo brasileiro; assim, como seremos expectadores passivos da abolição da Lei Áurea? Lutaremos na companhia de Castro Alves: “Fatalidade atroz que a mente esmaga!/ Extingue nesta hora o brigue imundo/ O trilho que Colombo abriu nas vagas,/ Como um íris no pélago profundo! / Mas é infâmia demais! … Da etérea plaga/ Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! / Andrada! arranca esse pendão dos ares! / Colombo! fecha a porta dos teus mares!” (“O Navio Negreiro”, Castro Alves, 1869).

Quem sobreviver verá.

+ sobre o tema

Operação resgata 12 pessoas em condições análogas à escravidão

A Polícia Federal (PF), em parceria com o Ministério...

A saga de uma Nobel de Economia pelo ‘Pix do desastre climático’

Mesmo com seu Nobel de Economia conquistado em 2019,...

Vitória da extrema direita na França afetará guerras, Mercosul e clima

Uma vitória da extrema direita ameaça gerar um profundo...

para lembrar

Serra ligou para Gilmar Mendes, que suspendeu julgamento

Por: Luiz Carlos Azenha   Recebo e-mail de...

De que cor são as vestes da moral?

A vida íntima de FHC não nos interessa....

Mario Balotelli, um jogador esculpido a golpes

Seu caráter indomável resulta de uma vida marcada pela...

Governo prorroga IPI menor para linha branca

Por: Frederico Rosas Com o objetivo de estimular a...

Extrema direita francesa choca com slogan: ‘Dar futuro às crianças brancas’

O avanço da extrema direita na França abre caminho para campanhas cada vez mais explícitas em seu tom xenófobo. Nesta semana, um dos grupos...

Supremocracia desafiada

Temos testemunhado uma crescente tensão entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Essa tensão não decorre, no entanto, apenas do ressentimento de...

Na USP, professor deixa legado de R$ 25 milhões – e um recado às elites

Stelio Marras é professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e construiu toda sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), da graduação...
-+=