Notas de Rodapé – Hit parade

Homo sapiens adoram moda. Seja para adotá-la ou refutá-la. Descobrir o que está na crista da onda, na lista dos mais vendidos, na gôndola do supermercado, na vitrine da Apple Store ou na cabeça dos jovens egípcios é um movimento para manter-se na ordem do dia.

As línguas não ficam atrás. Se for o português falado e escrito no Brasil, aí que desembesta mesmo. Brasileiro é louco por uma novidade – e aqui não importa se é turma da elite ou gente diferenciada. Não tem relevância se escolarizou pouco ou se defendeu um doutorado. Basta aparecer uma palavra ou expressão no pódio da repetição para imediatamente ser adotada e transformada em moda.

Foi assim com “a nível de”. É evidente que você lembra do a nível de lanchonete, a nível de trabalho, a nível de viagem, a nível de namoro, a nível de internet. Já topou também com o adjetivo perverso: mundo perverso, realidade perversa, sistema perverso, capitalismo perverso, distribuição de renda perversa.

Existe também o reinado do “aconteceu”. Aconteceu um crime, um gol, um amor, um evento, um nascimento, um acontecimento. Outro cetro é do Rei Izar. Publicizar, disponibilizar, visibilizar, equacionalizar, normatilizar, customizar. Do gerundizar, nem preciso ficar recordando de recordar, pois você vai estar se lembrando de lembrar.

Quando eu era estudante da USP, no final dos anos 1970, a moda eram duas palavras “não necessariamente”. Dizíamos: Não necessariamente vou pegar o Circular. Não necessariamente comprarei um saquinho de pipoca. Não necessariamente vamos nos casar. Não necessariamente é necessário assistir às aulas.

Não necessariamente sei como falam os universitários de hoje. Mas sei como se expressa meu sobrinho de dezenove anos, o Diogo. Ele e seus colegas da Anhembi Morumbi usam e reusam as palavras bizarro, véio, monstro. Mais ou menos assim: Pão dormido é pão bizarro. Amigo de dezessete anos é véio. Jogador do time adversário é monstro.

Mas nenhuma palavra ganha a coroa de rainha da moda, como a palavra perfil. Faça o teste. Quantas vezes, nos últimos anos, você ouviu, falou, leu, escreveu tal palavra. Agorinha mesmo, tomando um café expresso na padaria Pioneira da rua Macunis, perguntei por uma atendente que não vejo faz dias. Ouvi como resposta: ela foi embora, pois não tinha o perfil.

Então é isto: tem perfil para atendente de padoca, perfil para pipoqueiro, perfil para alta executiva, perfil para mãe, perfil para filho, perfil para bandido, perfil para santo, perfil para pai de santo, perfil para cronista, perfil para criança, perfil para instrutor de autoescola. E perfil obrigatório para frequentar as redes sociais.

Semana passada, um velho amigo – não nos víamos há uns sete anos – cruzou comigo na banca de jornal da minha rua. Antes de me dizer qualquer coisa, antes de me abraçar, exclamou: “Mas você não tem o perfil de quem compra revista de decoração de interiores!” O exemplar que eu acabara de adquirir quase tombou de susto, derrubando no chão os móveis e objetos que estavam nas coloridas páginas.

Ora! Existe um perfil específico de quem lê revista de decoração? E se há, por que eu estaria fora? Será por que escrevo no Nota de Rodapé? Será por que não combino nada com nada na maneira de me vestir? Será pelo fato de eu e meu amigo termos sido trotskistas da Liberdade e Luta?

Perfis são como as palavras. Densamente mutantes e recicláveis. Loucamente voláteis. São movimentos em frenesi puro. Dão e levam choques. Num segundo, têm plateia. No outro, vão para o ostracismo. Hoje é cru, amanhã é assado. Hoje uma palavra ou um perfil estão na reserva técnica de um museu, amanhã podem estar no último furo. E versa-vice.

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

 

 

 

Fonte: Nota de Rodapé

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