Homem branco privilegiado (não) é o centro do universo?

Sistema educacional difunde um ideal que perpetua desigualdades

FONTEFolha de São Paulo, por Michael França
O economista Michael França - Foto: Bruno Santos/Folhapress

Nosso sistema educacional foi estruturado de maneira a favorecer as contribuições dos europeus e seus descendentes.

A influência dos colonizadores é evidente nos currículos escolares, onde suas narrativas e conquistas são supervalorizadas em detrimento das histórias e realizações de outros grupos. Ao apagar ou minimizar as contribuições de mulheres, negros e indígenas na formação do Brasil, perpetua-se um ideal de superioridade dos homens brancos privilegiados.

A hegemonia cultural deles resultou em uma valorização desproporcional dessa parcela da população.

Eles estão sobrerepresentados em todas as fases da formação escolar e fora dela. São as figuras históricas, os cientistas, os escritores e os líderes políticos. No mundo das artes e da literatura, essa predominância também é evidente.

No cinema e na televisão, eles geralmente são os protagonistas e heróis, enquanto os papéis de destaque para mulheres, negros e outras minorias são limitados ou estereotipados. Na indústria da moda, os padrões de beleza frequentemente promovidos são baseados em características eurocêntricas, marginalizando outras formas de beleza.

Nas ruas das cidades, estátuas de homens brancos estão por toda parte. Seus nomes também adornam ruas, praças e até salas de aula em instituições como o Insper, onde trabalho. No mundo corporativo, a liderança executiva é majoritariamente composta por homens brancos, o que perpetua a desigualdade de oportunidades e a falta de diversidade nas decisões empresariais.

Na esfera acadêmica, os pensadores e filósofos que moldam os currículos das universidades são predominantemente homens brancos, o que limita a amplitude de perspectivas e conhecimentos. Mesmo nas ciências sociais e humanas, onde a diversidade de experiências talvez seja ainda mais relevante para uma compreensão mais profunda das sociedades, as teorias e abordagens de estudiosos que não são homens brancos muitas vezes são subvalorizadas ou ignoradas.

Esse contexto perpetua a ideia de que apenas eles têm valor histórico e cultural, ignorando as significativas realizações de mulheres, negros, indígenas e outras minorias. Esse desequilíbrio simbólico não apenas reforça a dominância de homens brancos privilegiados, mas também afeta a autoimagem e as aspirações das pessoas pertencentes a grupos subrepresentados.

Com esse grande favorecimento, especialmente quando consideramos os homens brancos mais ricos, torna-se difícil distinguir entre aqueles que alcançaram suas posições por mérito próprio e aqueles que, apesar de incompetentes, se beneficiaram das vantagens historicamente acumuladas. Essa desigualdade sistêmica ofusca a verdadeira medida do mérito, perpetuando um ciclo de privilégios na roda da história que favorece continuamente o mesmo grupo.

A hegemonia masculina branca não apenas distorce a realidade e perpetua estereótipos, mas também priva a sociedade de uma compreensão mais profunda da humanidade. Subverter esse processo requererá muito trabalho para desmantelar todas as fontes de vantagens do grupo dominante.

Nesse contexto, não se pode esperar grandes mudanças sociais enquanto o sistema educacional continuar complacente com uma representação incompleta da realidade, contribuindo para perpetuar um imaginário silencioso que coloca mulheres, negros e indígenas em posições de inferioridade na sociedade brasileira.


O texto é uma homenagem à música “Black Gold”, de Esperanza Spalding.

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