Impasse no Supremo adia novamente decisão sobre Lei da Ficha Limpa

Por: Rosanne D’Agostino

 

 

 

Após 11 horas de sessão, o julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa no STF (Supremo Tribunal Federal) está empatado, com cinco votos favoráveis e cinco contrários à aplicação imediata da norma já nas eleições de 2010. A Corte decidiu adiar nesta sexta-feira (24) a decisão final no recurso do candidato Joaquim Roriz (PSC) contra seu enquadramento como ficha suja, em razão da ausência de um ministro no tribunal. Assim, Roriz pode continuar na disputa do DF, até que o Supremo se reúna novamente para discutir a questão.

Os ministros Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia decidiram seguir entendimento apresentado ontem pelo relator do pedido, Carlos Ayres Britto, para manter a Lei da Ficha Limpa. Já o presidente da Corte, Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli defenderam a constitucionalidade da nova legislação, com a ressalva de que a norma não pode ser aplicada no pleito de 2010.

Diante do impasse, os ministros precisaram decidir qual seria o resultado final a ser proclamado, o que ocorreu em discussão acalorada na Corte.

Todos rechaçaram a hipótese do voto de qualidade do presidente, que daria o desempate. “Não tenho nenhuma vocação para déspota e não acho que meu voto vale mais do que o de vocês”, disse Peluso, em resposta ao colega Ayres Britto.

A controvérsia ocorreu porque, nos casos de declaração de inconstitucionalidade, há discussão sobre se cabe o mecanismo. Embora o regimento interno da Corte permita o desempate pelo presidente, pela Constituição seria necessária a maioria absoluta dos membros do STF para derrubar uma lei. Se não houver maioria, o empate significa que a lei continua em vigor.

Outra hipótese seria esperar a nomeação de um novo ministro para ocupar a vaga, aberta após aposentadoria de Eros Grau. Marco Aurélio chegou a pedir que “o responsável pela cadeira vaga” fosse até o STF desempatar a questão. Os ministros do Supremo são nomeados pelo presidente da República, hoje, Luiz Inácio Lula da Silva.

Peluso pediu que os colegas deixassem de lado a “paixão” e votassem com “prudência”. “A sociedade perceberá que é uma solução artificial. O mais prudente, ainda que tenha seus inconvenientes, acho que a melhor solução é aguardarmos a nomeação do novo ministro, porque, entrementes, não haverá prejuízo a nenhum candidato. O risco é que eles não possam ser diplomados”, afirmou.

Não há prazo para que o recurso volte a ser analisado no Supremo. Isso pode acontecer após a nomeação do 11º ministro ou se os atuais membros da corte encontrarem outra solução para o impasse..

Votos
O último voto apresentado foi do ministro Cezar Peluso. “Fico vencido, mas, mais do que nunca, não convencido”, disse o ministro, avaliando a questão, segundo ele, “à luz da Constituição”.

Peluso afirmou que o Supremo não está a julgar pessoas, e sim, atos. “Somos todos favoráveis à moralização dos costumes políticos, do respeito aos valores éticos nas disputas eleitorais”, disse. “Não me comovem pressões provindas da opinião pública, ou de segmentos do povo ou de instituições, por mais respeitáveis que sejam. A função de uma Corte constitucional não é atender as vontades de segmentos, é atender o que o povo positivou na sua Constituição.”

“Um tribunal que atenda a pretensões legítimas da população ao arrepio da Constituição, é um tribunal que nem o povo pode confiar”, continuou em seu voto. “Tampouco me parece que a função do Poder Judiciário é usurpar do povo um poder elementar do povo, que é escolher os seus governantes. É o povo que deve avaliar a idoneidade dos seus candidatos, independentemente de suas condições de elegibilidade.”

Vício na origem
Antes de decidir sobre o caso de Roriz, os ministros julgaram se a lei teria um vício formal em sua origem. A maioria decidiu não analisar o argumento imprevisto, inserido ontem no processo por Peluso, que alegou que o texto violou o processo constitucional legislativo, “porque não foram adotadas as exigências de tramitação no caso de emenda”. Ele afirmou se tratar de um “caso de arremedo de lei”.

Hoje, Peluso voltou a defender que o texto deveria voltar para a Câmara, mas que, mesmo uma lei considerada constitucional não deve valer em menos de um ano de sua publicação, “para dar estabilidade ao processo eleitoral e garantir que a lei não retroaja para não atingir situações consolidadas no passado e não ferir o princípio da segurança jurídica”.

Ainda segundo o presidente da Corte, impedir a candidatura de Roriz pode ser interpretado como uma sanção. “Um dos casos mais manifestos de casuísmo”, porque a lei está “apanhando no passado atos que não puderam ser evitados”. “O que se pode dizer de uma lei destinada a apanhar pessoas determinadas?”

Assim, votou para que a Lei da Ficha Limpa não se aplique a ele ou outros candidatos retroativamente. “Reotragindo, ela viola vários direitos de ordem constitucionais, o que poderia ser resumido à dignidade da pessoa humana.”

Entenda o que está em julgamento
Ao julgar o recurso do candidato ao governo do Distrito Federal, o Supremo julga também o futuro da Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados. Os ministros devem decidir se revertem a cassação do registro de Roriz, barrado no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do DF e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O pedido é o primeiro contestando a lei a ser analisado pela Corte suprema do país, por isso, o entendimento deve respaldar a aplicação da nova norma aos demais candidatos.

Voto do relator
Como relator do recurso, o ministro Carlos Ayres Britto apresentou nesta quarta (22) voto pela aplicação da Lei da Ficha Limpa a todos os candidatos já nas eleições 2010. Segundo Britto, a norma obedece a Constituição e nasceu legitimada pela vontade popular. “Vida pregressa não é vida futura”, afirmou.

Antes do início do voto, o plenário reconheceu repercussão geral do recurso, ou seja, o mérito da questão e a decisão proveniente da análise deverão ser aplicados posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A sessão foi interrompida por Dias Toffoli, e hoje retomada com seu voto-vista.

O caso
Roriz renunciou ao mandato de senador, em 2007, para fugir de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. A Lei da Ficha Limpa proíbe a candidatura de políticos nessas condições, assim como daqueles que possuam condenações por decisão colegiada (por mais de um membro do Judiciário).

Um dos argumentos da defesa do candidato é de que a lei não se aplica a seu caso, porque a renúncia ocorreu antes da promulgação da norma. Além disso, diz que o ato de renunciar ao mandato parlamentar é garantido constitucionalmente. Segundo a Lei da Ficha Limpa, o político que renunciar para não ser cassado fica inelegível por oito anos após o fim do mandato que cumpriria.

Os advogados também dizem que a norma viola o princípio da presunção de inocência e não pode ser aplicada nas eleições 2010, sob a tese de que vai contra o artigo 16 da Constituição Federal, que estabelece que qualquer lei que altere o processo eleitoral deve demorar um ano para entrar em vigor. A lei foi aprovada em junho deste ano.

Insegurança jurídica
Em agosto deste ano, o TSE confirmou que a lei retroage, atingindo candidatos com condenações anteriores à norma. Mas, diante da ausência de um posicionamento do Supremo sobre a constitucionalidade da legislação, TREs e o próprio TSE já liberaram concorrentes nessas condições. Ministros do Supremo, em decisões monocráticas, também já liberaram candidatos. Os pedidos são julgados um a um.

Para advogados, enquanto a Corte não se decidir, está instalado um quadro de insegurança jurídica nas eleições. O termo “controversa” foi utilizado pela defesa de Paulo Maluf (PP-SP) para classificar a matéria e justificar por que o candidato, mesmo barrado com base na lei pelo TRE-SP, continua concorrendo ao cargo de deputado federal.

 

 

Fonte: UOL

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