Inclusão racial vem ganhando peso como tendência ESG

Enviado por / FontePor Rosana Jatobá, do Ecoa

Provocado a opinar sobre a política de cotas raciais, Gilberto Gil saiu com uma frase à altura da sua genialidade: “Gosto de pensar a política de cotas como uma oportunidade que esse povo preto, periférico e de baixa renda está dando ao mundo acadêmico convencional, eurocêntrico e embranquecido de conhecer os nossos saberes.”

Para além do discurso de reparação de uma dívida histórica em relação à população afrodescendente, a discussão sobre equidade racial ganhava ali uma nuance irrefutável!

A de que a equidade racial se conquista pelo orgulho próprio e pelo fomento ao enorme potencial que advém da população negra. Porque não há dúvidas de que estamos diante de uma história rica, resiliente, de profundos e sábios conhecimentos, que só engrandecem a formação do povo brasileiro e precisam florescer, sobretudo nestes tempos sombrios.

Pois fui pesquisar o que tem sido arquitetado para dar vazão a esta força represada. E encontrei alguns grandes exemplos dentro do mundo cientifico, empresarial e de investimentos.

Nem precisei ir longe.

A equipe que sequenciou o genoma do novo coronavírus no Brasil foi coordenada por uma mulher negra, a cientista Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP.

Tão sabia quanto Jaqueline é a Nina Silva, escolhida em 2019 como uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil pela revista Forbes, e uma das 100 afrodescendentes mais influentes do mundo, segundo a ONU. Tive o prazer de entrevistar a Nina quando mediei um debate em um evento de uma multinacional de tecnologia e inovação.

A jovem e desenvolta empresária especialista em TI, me contava sobre o sucesso do Black Money, movimento que ajudou a fundar em 2017. Trata-se de um programa de desenvolvimento do ecossistema afroempreendedor. Seu principal objetivo é estimular a inovação entre empreendedores e jovens negros, com foco em finanças, comunicação, educação e novas mídias. A ideia é estimular o consumo e a prestação de serviços entre a comunidade negra, fazendo com que o dinheiro circule apenas entre afrodescendentes.

Em pouco mais de três anos, o movimento “Black Money” já conseguiu estabelecer parcerias com empresas privadas de tecnologia, associações com especialistas para ministrar aulas de finanças e de consumo consciente; e uma ampla oferta de cursos para a capacitação profissional daqueles que almejam abrir seu próprio negócio. A plataforma trouxe para a população negra soluções como maquininha de pagamento (a pretinha), marketplace e o banco digital.

“Através da desigualdade sócio-racial presente neste país, que menospreza a comunidade negra, percebemos um vazio. Não apenas na falta de valorização da vida dos negros, mas também politicamente e, acima de tudo, economicamente. Somos 54% da população, 51% dos proprietários de negócios e movimentamos R$ 1,7 trilhão no ano, mas não controlamos bancos, grandes mercados ou partidos políticos”, afirma Nina com a assertividade de quem tem transformado a vida de muita gente.

O Black Money é apenas um exemplo dos novos “saberes” arguídos por Gil. Posso citar ainda o Banco Afro, instituição financeira para negros, que oferece contas digitais, meio de pagamento e microcrédito. Na mesma linha, temos o Afrobank, que está buscando autorização para atuar como instituição financeira, mas já conta com uma base robusta de clientes: 7 mil nomes listados para abertura de contas.

A coalizão Éditodos é outro caso feliz de mobilização pelo fortalecimento do empreendedorismo negro. Dela surgiu o Fundo de Emergências Econômicas, que por meio de parcerias com a iniciativa privada, oferece apoio financeiro de até R$ 2 mil reais por mês a pequenos empreendedores.

Essas iniciativas respondem a uma forte pressão por parte dos investidores internacionais para que as empresas lidem com a questão da diversidade racial no mesmo nível de prioridade com que encaram a urgência das mudanças climáticas.

Até porque um ambiente de negócios mais diverso impacta a lucratividade da companhia e fomenta a inovação.

Um estudo publicado pela consultoria McKinsey em 2019 aponta que empresas com equipes mais diversas lucram até 33% mais do que aquelas mais homogêneas. E organizações que apoiam programas de diversidade têm um engajamento 16% maior por parte de seus colaboradores.

Esse movimento de inclusão racial como uma tendência ESG — sistema que busca as melhores práticas ambientais, sociais e de governança — vem ganhando muito peso no mundo inteiro.

Gigantes como o Bank of America, Sephora USA e Nike estão entre as empresas que reservaram fundos, criaram forças-tarefa para lidar com a desigualdade racial e vem apoiando empresas de proprietários negros. O fim da desigualdade racial ainda está longe de se tornar uma realidade. Mas começar a entender que o racismo impacta a organização da economia, pode ser uma pá para enterrar o preconceito. E uma poderosa ferramenta que revela os “saberes” de tanta gente graduada e graúda!

 

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Fonte: Por Rosana Jatobá, do Ecoa

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