Interseccionalidade: uso e comando nas lutas políticas

O teor prático da ferramenta interseccionalidade, pode ser validado como o mais importante instrumento politico e metodológico das classes subalternizadas nesta última década.

Por Carla Akotirene, do Brado Negro 

Cunhado pela afroamericana Kimberley Crenschaw (2002), a terminologia propicia a verificação do entrelace e interlocução dos marcadores sociais de raça, gênero, classe, orientação sexual, geração, identidade religiosa, dinamizados juntos, por vezes, ao mesmo tempo, em direção à determinada realidade social.

Propicia às/os militantes, na forma de organização e agendamento das suas pautas reivindicatórias, oferecerem aportes epistêmicos, para negros, mulheres, lésbicas, transexuais, jovens, dentre outras populações, utilizando-se da combinação de aprendizados pós-coloniais, feministas e do ponto de vista das mulheres negras.

Na ruptura com a visão inocente do papel político do Estado, a interseccionalidade, é capaz de capturar o racismo institucional enquanto ideologia estruturante tal como é o capitalismo; oferecer como tarefa metodológica a compatibilidade da terminologia racismo institucional com a nomenclatura sexismo institucional, usualmente colocadas nos programas de governos em patamares de importância política distinta, nas quais o segundo termo é complemento nominal do primeiro.

É comum em suas palestras pelo Brasil, Crenschaw ilustrar a respeito do termo interseccionalidade, a partir da situação simbólica de um acidente na rua transversal onde se encontra a mulher negra aguardando socorro político.

Para tal assistência, entretanto, há uma dificuldade do movimento negro em atendimento à vítima, por transferir a atenção política ao segmento de mulheres, esvaziando, assim, a marcação racial.

As feministas, por sua vez, fracassam ao dar socorro à mulher negra devido ao uso de instrumental brancocêntrico e por somente compreendê-la negra e não mulher.

Talvez seja por isto a provocação das feministas negras: “parece que todos os negros são homens e todas as mulheres são brancas!

Não estamos alçando a mulher negra como “a mais coitadinha” da sociedade patriarcal racista. Agora, dentro da estruturação das sociabilidades humanas, a mulher negra, sem dúvida, encontra-se posicionada de forma a ser atingida mais vezes e simultaneamente, por vários elementos identitários constitutivos, capazes de deixá-la a margem de abordagens, de fato, includentes.

O contexto expresso no genocídio da população negra, também pode nos ajudar a ilustrar a importância do olhar interseccional, porque embora as mulheres jovens morram em decorrência do aborto clandestino, ou mesmo alardem a violência doméstica, tais acontecimentos são compreendidos como problemáticas das mulheres e não da juventude ou do movimento negro. No entanto, as mortes dos jovens negros são assimiladas como o biopoder promovido contra a comunidade negra, com suas mulheres negras, jovens, cujas vidas dos filhos foram ceifadas.

É salutar compreendermos que, quando nos limitamos a um único marcador social para responder aos processos dinamizados das opressões, havemos de suprimir a real condição feminina, sobretudo, no tocante aos aspectos raciais e de gênero, pilares ideológicos marcantes numa sociedade sustentada por processos colonizadores.

A feminista negra Patrícia Hill Collins, conhecida pela ineditibilidade de entendimento acerca dos sistemas de opressão existirem antes intercruzados, enfatiza a necessidade de as mulheres examinarem também as suas experiências particulares dentro desse sistema, pois a raça, a classe ou gênero rotineiramente tomam lugar e tempo nas pautas feministas, sem que haja, segundo Collins, a percepção de que essas estruturas são paralelamente interligadas para opressoras e oprimidas. Apesar de darem a impressão de serem categorias universais, representando politicamente todas as mulheres e homens, gênero e classe são categorias aplicáveis meramente a um grupo restrito.

Carla Akotirene é mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (Neim / UFBA)

+ sobre o tema

Jovem é agredido e queimado vivo em ritual de ‘purificação de gays’ em BH

Um jovem gay de 19 anos foi brutalmente torturado em...

Socióloga Vilma Reis é eleita nova ouvidora-geral da Defensoria da BA

Eleita disputou vaga com o historiador Marcos Rezende e...

No ano passado, 29 mulheres mortas na intimidade deixaram 46 crianças órfãs

Menos mulheres foram assassinadas em contexto de violência doméstica...

Ialorixá Mãe Stella de Oxóssi é a nova ‘imortal’ da Academia de Letras da BA

Mãe-de-santo foi eleita pelos acadêmicos na tarde desta quinta-feira...

para lembrar

Traço delas contra opressões

Umas da criadoras do Coletivo ZiNas, que publica quadrinhos...

Casal gay é agredido em bar no Itaim, e diz ter sido vítima de homofobia

Homem afirma que ele e o namorado foram surpreendidos...

Justiça decreta prisão de sargento da Aeronáutica

Aeronáutica Edvaldo Silva Rodrigues Junior, que confessou ter estuprado...

Na Índia rural, ser mulher não é sinônimo de submissão

Thimmapuram (Índia), 5 set (EFE).- A rígida sociedade patriarcal,...
spot_imgspot_img

IBGE: mulheres assalariadas recebem 17% menos que os homens

Dados divulgados nesta quinta-feira (20/06) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que a disparidade salarial entre os gêneros no Brasil se mantém em...

Casa Sueli Carneiro abre as portas ao público e apresenta o III Festival Casa Sueli Carneiro, pela primeira vez em formato presencial

RETIRE SEU INGRESSO A Casa Sueli Carneiro, fundada em dezembro de 2020 e atuando em formato on-line desde abril de 2021, é uma entidade criada...

Aborto legal: falhas na rede de apoio penalizam meninas e mulheres

As desigualdades sociais no Brasil podem explicar a razão para que meninas e mulheres busquem apoio para o aborto legal também após 22 semanas...
-+=