‘Invisíveis’, moradores de rua ganham voz em projetos sociais que avançam nas redes sociais em todo o Brasil

“Moro na rua há um tempão. Eu tive uma casa por um tempo, mas aí veio a enchente e eu perdi tudo. Vim pra rua aos 12 anos. Virar adulto na rua é uma experiência terrível que você nunca mais vai querer lembrar. É difícil sair daqui. Eu perdi meus documentos, sem eles você fica de bola parada, fica encostado”.

Por , do Brasil Post 

O relato acima pertence a André, um homem de 44 anos que você provavelmente nunca viu na sua vida, mas que compõe um cenário ignorado pela sociedade brasileira: o dos moradores de rua. A história dele e de tantos outros nascidos no País compõem a página Rio Invisível, projeto criado para dar visibilidade a quem, diariamente, vive às margens do convívio social.

“Vimos a necessidade de abrir um espaço para essas pessoas, que estão nas ruas, tenham um espaço legítimo para expor a sua voz. Não queremos ser uma página assistencialista, criamos esse espaço para mostrar a necessidade dessas pessoas, trazer esse importante debate a público. Ali as pessoas com quem conversamos revelam a sua intimidade e, ao mesmo tempo, são invisíveis para a maioria da sociedade. Queremos expor o que está for a do campo de visão da maioria”, disseNelson Pinho, um dos responsáveis pela página, ao Brasil Post.

Os números também expõem o grau de importância dado ao tema. Os dados mais recentes sobre a população que vive nas ruas é de abril de 2008, com base em um relatório produzido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, apontavam para 32 mil brasileiros em situação de rua. Entretanto, ONGs estimam que hoje cerca de 2 milhões de pessoas – correspondente a 0,1% da população total do Brasil – estejam vivendo nas ruas.

No eixo Rio-São Paulo concentra-se um grande contingente de moradores de rua. Enquanto um censo feito pela Prefeitura paulistana em 2011 mostra uma estimativa de quase 15 mil pessoas vivendo nas ruas, no Rio esse número chegaria a 5,5 mileste dado não considerou aqueles que vivem em abrigos.

“Não queremos um monte de likes. Queremos é que cada história gere debate e reflexão”.

A iniciativa fluminense – cuja página já conta com mais de 76 mil likes – não é a única. São Paulo, Salvador, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Recife,Campo Grande, Belo Horizonte, Fortaleza e Goiânia possuem páginas semelhantes, as quais buscam desconstruir mitos e preconceitos. Como mostram a maioria das histórias em todas essas páginas, essas pessoas estão nas ruas em alguns casos por opção, porém há muitos relatos que expõem a desconstrução familiar, o envolvimento com drogas e outros infortúnios que as empurraram para uma condição de exclusão.

“Me sinto feliz quando consigo ajudar alguém, então sempre tive vontade de ouvir as pessoas nas ruas e tentar ajudar a transformar a vida delas. Desde o início achei incrível, as pessoas são muito educadas e dá para perceber a alegria deles em poderem ser ouvidos. Eles se sentem importantes. É algo que ajuda a quebrar esse preconceito, existe um ser humano ali”, afirmou ao Brasil Post a estudante de economia Mariana Segalla, responsável pela página Floripa Invisível.

"A vida está muito melhor agora, me sinto uma pessoa abençoada. Sei que para o morador de rua que é viciado em drogas ou álcool é mais complicado, mas acredito na força de vontade. Acho que é preciso parar para pensar onde você quer chegar e batalhar por isso. Comigo foi assim. Indo a luta aos poucos consegui uma vida muito melhor. Tenho certeza que se meu pai puder me ver lá do céu, ele está muito feliz"- Jaíson, Floripa Invisível.
“A vida está muito melhor agora, me sinto uma pessoa abençoada. Sei que para o morador de rua que é viciado em drogas ou álcool é mais complicado, mas acredito na força de vontade. Acho que é preciso parar para pensar onde você quer chegar e batalhar por isso. Comigo foi assim. Indo a luta aos poucos consegui uma vida muito melhor. Tenho certeza que se meu pai puder me ver lá do céu, ele está muito feliz”- Jaíson, Floripa Invisível.

Os responsáveis pelos projetos do Rio e Florianópolis afirmaram ter sido possível ajudar alguns moradores de rua durante essa ‘troca horizontal’, termo cunhado por Nelson Pinho para descrever os papos com aqueles que só querem um pouco de atenção, amor e carinho, ainda que advindo de estranhos.

“A gente acaba tentando contribuir de alguma forma. Alguns dizem que não precisam de nada, outros pedem um prato de comida. Ajudamos um rapaz a conseguir um emprego em uma obra. Também teve outro caso em que a pessoa só queria voltar para Teresina, terra natal dela, então corremos atrás”, comentou.

O desejo de cada um desses projetos é conseguir colocar o assunto em pauta, evitando índices alarmantes, como o registro de 195 mortes de moradores de rua em apenas 15 meses, entre fevereiro de 2011 e maio de 2012, conforme noticiou o jornal Folha de S. Paulo na época. A violência gerou, recentemente, um embate entre o ex-senador e hoje secretário municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, com policiais militares no centro de São Paulo.

A ausência do Estado ficou ainda mais latente durante a Copa do Mundo do ano passado, quando ocorreram várias remoções forçadas nas cidades que receberam jogos. Isso sem falar em intervenções anti-moradores de rua, as quais não são uma exclusividade brasileira. Obviamente, políticas sociais higienistas não vão resolver a questão.

“Não queremos um monte de likes. Queremos é que cada história gere debate e reflexão”, comentou Pinho. “O recado é que, da próxima vez que passar por um morador de rua, dê ‘Bom Dia’, se alguém estiver pedindo comida você deve ajudar. Ele não está querendo dinheiro para comprar bebida, ele não está roubando. Ele só precisa de ajuda”, concluiu Mariana.

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