Livro semeia em português cosmovisão bantu-kongo reunida por Bunseki Fu-Kiau

'O Livro Africano sem Título' expõe o pensamento desse povo do litoral atlântico

O primeiro objetivo do pesquisador congolês Kimbwandende Kia Bunseki Fu-Kiau ao terminar “O Livro Africano sem Título”, em 1980, e que finalmente é publicado em português no Brasil, era que qualquer pessoa pudesse absorvê-lo segundo seus interesses e necessidades.

Daí que o autor tenha decidido explicitar já na capa da obra o convite que faz ao leitor, de uma recepção tão íntima quanto aberta desses escritos. No volume, Fu-Kiau reúne explicações didáticas sobre o sistema de pensamento do povo bantu-kongo reunidas após suas conferências na Universidade de Yale.

Bantu-kongo é um grupo étnico situado no litoral do Oceano Atlântico, na África Ocidental, presente por exemplo em territórios hoje correspondentes à República Democrática do Congo e a Angola.

Na introdução à primeira edição do trabalho, Fu-Kiau, um dos mais importantes pesquisadores da cultura africana, aponta a importância de entender as línguas do continente para que se possa falar da África. Não fazê-lo seria submeter essa tradição ao risco de uma “exploração intelectual” por parte de representantes de ideias “mal compreendidas, uma vez que foram recolhidas apressadamente”.

Ilustração que integra ‘O Livro Africano sem Título’ – Reprodução

Mais de 40 anos depois, a tradução do professor da Universidade Federal da Bahia e multiartista Tiganá Santana —que já havia dedicado sua tese de doutoramento à obra do acadêmico congolês— faz jus ao mandamento de Fu-Kiau, que chega ao leitor brasileiro, portanto, sem pressa e com a devida profundidade.

Provérbios, noções de vida, existência, mudança, morte, lei; a compreensão de “kalunga” como oceano, imensidão e força vital em movimento; de “kala”: “vontade de existência”; o mapeamento do Universo; o lugar do indivíduo como um “segundo Sol” na Terra são alguns dos temas detalhados pelo pesquisador dentro da visão de mundo bantu-kongo.

Ilustração que integra ‘O Livro Africano sem Título’ – Reprodução

Ao lado de ilustrações e gráficos, o autor reúne aqui “ferramentas básicas para entender as estruturas ‘científicas’ do desenvolvimento do antigo aprendizado africano tradicional e suas antigas escolas”, algo “que ainda floresce na selva das mentes das bibliotecas africanas vivas”, como escreveu.

Fu-Kiau explica também a centralidade de conceitos como coletivo, comunidade ou ancestralidade e fundamenta a urgência de uma ampliação epistemológica para definições de “civilização”, “liderança”, “conhecimento” e “desenvolvimento” para além das acepções ocidentais. Sua crítica se volta, em primeiro lugar, aos dirigentes do próprio continente: “Um líder africano que considere ‘tribalismo’ nossas diversidades (…) comete um crime, porque, ao fazê-lo, nega a existência da própria nação”.

Ilustração que integra ‘O Livro Africano sem Título’ – Reprodução

A edição brasileira traz ainda uma breve e bela entrevista de Santana, feita em 2018, com a educadora, sacerdotisa do candomblé e pesquisadora Makota Zimewanga (ou Makota Valdina), primeira pessoa a traduzir escritos de Fu-Kiau para o português no Brasil.


Denise Mota

Jornalista especializada em diversidade, escreve sobre quem vive às margens nada plácidas do Ipiranga, da América Latina e de outras paragens

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