Mais um nas estatísticas implacáveis contra os negros

 

Até o dia 10 de fevereiro, Vinicius Romão contrariava as estatísticas. Negro, aos 27 anos é estudante finalista de Psicologia, tem um emprego que lhe garante um salário entre R$ 1,6 e R$ 2,0 mil, é filho de um tenente-coronel da reserva do Exército. Atuou na novela global “Lado a Lado”, vencedora do prêmio Emmy de 2013.

Mas as duras estatísticas que recaem sobre a população negra atingiram Vinicius nesse dia, quando ele voltava do trabalho em uma loja de roupas no shopping da zona Norte do Rio de Janeiro e foi detido pela polícia sob a acusação de assalto.

Contra ele havia o testemunho da vítima, que disse ter sido atacada por um homem negro, magro, alto, de camisa e bermuda pretas e cabelo black-power. Sem evidências materiais e acusado por uma prova testemunhal em desacordo com o Código Penal, Vinícius ficou duas semanas na Casa de Detenção Patricia Acioli, em São Gonçalo.

Se em vez de negro com black-power o suspeito fosse branco de cabelos lisos a atitude dos policiais que o abordaram e o autuaram seria diferente? Se levarmos em conta as estatísticas, sim.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram os negros estão entre as maiores vítimas da violência. O estudo conclui que a probabilidade de pretos e pardos serem vítimas de homicídio é de quase oito pontos percentuais a mais do que a da população branca. Isso independe de sexo, idade ou escolaridade.

Vinicius não foi vítima desses facínoras que se intitulam justiceiros, mas sofreu uma dura violência por parte do estado. Ele não engrossou a contabilidade maldita que garante dois pretos ou pardos em cada três vítimas de homicídio, mesmo assim a prisão equivocada é um tiro em sua dignidade.

Os dados do Instituto mostram que os negros perdem 3,5 anos de vida em sua expectativa ao nascer, contra 2,5 anos de um homem de outra etnia. Vinícius já perdeu duas semanas da sua, considerando, apenas, o tempo cronológico. O quando o trauma causou só ele pode dizer.

Conversei com alguns amigos de Vinicius. Todos o descreveram como um rapaz amável, honesto, bom vendedor na loja em que trabalha, apaixonado pela Psicologia e pela carreira de ator.

Perdeu a mãe há alguns anos e antes disso um irmão. Ela de problemas cardíacos, ele de anemia falciforme – doença hereditária predominante em negros.

Romão, como é chamado pelos amigos, é forte e pratica musculação. Na certa driblou a estatística que levou seu irmão. Quanto às outras, perpetradas pelo racismo ainda vivo na sociedade brasileira, vai ter que superar e chutar a cada dia.

Com ginga de capoeirista, igual seu personagem em Lado a Lado.

 

marcos-sacramento-200x300
Sobre o Autor

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

 
 
Fonte: DCM

 

+ sobre o tema

Serena Williams estrela campanha inspiradora da Beats

Por: Guilherme Dearo São Paulo - Um comercial um tanto inspirador...

Aplicativo te coloca na pele de vítimas de racismo

  A vida de minorias não é fácil em nenhum...

Cuidado não é tarefa de mulher

O que é "cuidado" para você? Mulheres negras, sejam cis,...

para lembrar

Intolerável e criminoso: O racismo mata e precisa ser punido e combatido

No país da desigualdade e do racismo genocida, o...

13 de maio: 127 anos após o fim da escravidão, racismo divide a sociedade

Negros relatam seus dramas e mostram que o problema...

Uproar over killings of black youths in Sao Paulo

Brazilian rapper Mano Brown is urging Sao Paulo legislators...

Para encontrar Oliveira Silveira: O Poeta da Consciência Negra

“encontrei minhas origensno lesteno mar em imundos tumbeirosencontreiem doces...
spot_imgspot_img

Ação afirmativa no Brasil, política virtuosa no século 21

As políticas públicas de ação afirmativa tiveram seu marco inicial no Brasil em 2001, quando o governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho sancionou...

Decisão do STF sobre maconha é avanço relativo

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades....

Por que o racismo é uma crise de saúde

Quando Layal Liverpool era adolescente, na Holanda, ela começou a observar pequenas manchas sem pigmento no rosto e nos braços. O médico receitou antibióticos e...
-+=