Mais um Passo

Na III Reunião do Comitê Preparatório da Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, (III PrepCon) concluída em 10 de agosto último em Genebra, a diplomacia brasileira conquistou de maneira inequívoca, para o Brasil, uma posição de destaque no cenário dessa Conferência pelas posições avançadas que tem defendido, em especial, na defesa de medidas de combate ao racismo e a discriminação racial; de estabelecimento de mecanismos institucionais de valorização e promoção dos afrodescendentes, na defesa dos direitos e a não-discriminação da orientação sexual e no reconhecimento da intersecção de gênero e raça como formas agravadas de discriminação; pela atitude cooperativa junto a outras delegações; pelo diálogo permanente com a sociedade civil e a capacidade de concertação de posições divergentes e para contornar manobras que buscavam impedir o avanço da agenda da Conferência.

Por Sueli Carneiro

Essa performance da diplomacia brasileira festejada pela sociedade civil de diversos países e por várias delegações oficiais, coloca grandes expectativas em relação ao país em Durban, África do Sul, sede da Conferência Mundial de Racismo….que se inicia no próximo dia 30. Supõe-se que o Brasil se encontra na posição de oferecer ao mundo propostas exemplares em termos de políticas públicas de combate ao racismo e á discriminação racial e outras formas de intolerância, á altura das posições por ele defendidas e aprovadas até o momento. Dentre os vários parágrafos aprovados sobre a temática dos afrodescendentes nessa última PrepCon um deles, “Insta os Estados a estabelecer e executar sem demora políticas e planos de ação nacionais para combater o racismo, a discriminação racial, a xenofobia […] e as formas conexas de intolerância, em particular as manifestações baseada no gênero.” Em outro parágrafo aprovado, pede-se aos Estados que, “apoiados, pela cooperação internacional, considere favoravelmente a possibilidade de concentrar novas inversões em sistemas de atenção sanitária, educação, saúde pública, eletricidade, água potável e controle do meio ambiente, assim como em outras medidas de ação afirmativa nas comunidades integradas principalmente por afrodescendentes.” Espera-se portanto, que o Brasil, em consonância com as avançadas posições que vem defendendo no processo dessa Conferência, apresente em Durban medidas de impacto para o combate ao racismo e a discriminação que deêm concretude ao posicionamento de sua diplomacia. Isso é um pressuposto para que se possa aferir a vontade política do governo brasileiro para consubstanciar a retórica bem intencionada em remédios efetivos.

Essa III PrepCon reafirmou, nos parágrafos aprovados, em seu projeto de Declaração e do Programa de Ação, o reconhecimento dos afrodescendentes como das principais vítimas do racismo e da discriminação racial, um consenso já inscrito no documento final da Conferência Regional das Américas ocorrida em Santiago do Chile em dezembro do ano passado. Convoca os Estados e as agências internacionais a envidarem esforços para o acesso dessas comunidades ao desenvolvimento. Manteve-se no entanto sem acordo, e sem avanços, o tema do reconhecimento do tráfico transatlântico de escravos africanos como crime de lesa-humanidade e das reparações aos africanos e afrodescendentes pelos séculos de escravidão e espoliação do Continente Africano.

Do ponto de vista da sociedade civil envolvida no processo da Conferência, vem-se plantando para as próximas gerações de militantes, conceitos e argumentos para fortalecer a luta contra o racismo e a discriminação racial nos níveis nacional e internacional. O termo afrodescendente, que tanto incomoda burocratas brasileiros empenhados em negar aos afro-brasileiros o direito de se autodefinir e se irmanar á diáspora africana

no conceito de afrodescendente, caminha para se tornar linguagem consagrada das Nações Unidas com o concurso decisivo da sociedade civil e da diplomacia brasileiras. Estão em construção nesse processo pró-Durban, instrumentos para o avanço da consciência mundial em relação as mazelas produzidas pelo racismo e de combate ás suas práticas e conseqüências e para sustentar reivindicações aos Estados e aos organismos internacionais medidas de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial.
Vamos a Durban reiterar, uma vez mais, a nossa exigência de reconhecimento da escravidão e do tráfico transatlântico de escravos, como crimes de lesa-humanidade e consequentemente demandar por reparações dos danos causados no passado. A condenação desse passado de violência pela comunidade internacional e a admissão da necessidade de reparações que ele impõe são as condições para a reconciliação com esse passado e de viabilização do futuro de suas vítimas. Isso é para a sociedade civil africana e para os afrodescendentes da diáspora africana um imperativo ético e moral porque tal como afirmam os nossos irmãos africanos: “Temos a história no fundo de nossas mentes. Não podemos negociar a memória de nossos ancestrais.”

Esse é o estado da arte rumo a Durban. A luta continua…

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