Manifesto pede a Lula indicação inédita de ministra negra para o STF

Carta deve ser divulgada durante ato da Presidência neste 8 de março

Entidades jurídicas lançam nesta quarta-feira (8) um manifesto pela indicação inédita de uma jurista negra para o STF (Supremo Tribunal Federal). Os organizadores articulam para divulgar a carta na cerimônia pelo Dia Internacional da Mulher que será realizada no Palácio do Planalto.

O documento afirma que a representação dos órgãos do sistema de Justiça deve espelhar a representatividade da população e que a falta de mulheres negras na composição do STF arranha a capacidade de percepção da realidade.

“Embora conte com a presença de mulheres desde o ano 2000, não há razoabilidade para que jamais uma jurista negra tenha tido assento na corte superior do Poder Judiciário.”

“Nesse momento em que empreendemos a reconstitucionalização do país, emerge a singular oportunidade de supressão da lacuna reveladora da baixa intensidade da democracia brasileira”, diz o manifesto.

O texto tem como signatários ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), Grupo Prerrogativas, Coletivo de Defensoras e Defensores pela Democracia, Associação da Advocacia Pública pela Democracia, Coalizão Nacional de Mulheres e outras entidades.

A advogada Vera Lúcia Santana Araújo, executiva nacional da ABJD, afirma que a ausência de mulheres negras nas cúpulas do Poder Judiciário, em especial do Supremo, é gravíssima para a prestação de Justiça pelo Estado.

“Queremos abrir o diálogo com a sociedade de que não há justificativa para que o Supremo Tribunal Federal não possa ter nos seus quadros hoje pelo menos uma jurista negra. Temos um rol de nomes muito qualificados para apresentar ao presidente da República, com toda a capacidade de aprovação pelo Senado Federal”, diz.

Criado em 1891, o STF nunca teve uma ministra negra em sua composição. Apenas três magistrados negros integraram a corte, o último deles foi o ministro Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014.

Na última semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que “todo mundo compreenderia” caso ele indicasse seu advogado, Cristiano Zanin, para a vaga que será aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, em maio, quando completará 75 anos de idade.

LEIA A ÍNTEGRA DO MANIFESTO:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A construção histórica do Brasil registra recorrentes interrupções na formação de sua identidade democrática, sobressaindo forte traço autoritário que remete à mais longeva escravização das Américas, cujo autoritarismo é intrínseco ao mais radical sistema de exploração humana.

Sob tal perspectiva, a última década já está marcada por um profundo déficit democrático 
um processo de impeachment sem cometimento de crime de responsabilidade ganhou a forma política de golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, culminando com a prisão e banimento do ex-presidente Lula da vida política pela via de falseado processo judicial desmascarado somente após o êxito eleitoral do projeto político manifestamente descolado do arcabouço constitucional democraticamente consagrado pela Constituição Federal de 1988.

Sim, para além de proclamar a República Federativa em um Estado Democrático de Direito, o Preâmbulo da Constituição cidadã assenta estar o Brasil “…destinado a assegurar o exercícios dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias…”.

Decorridos trinta e três anos de vigência da Carta de 1988, podemos asseverar que a missão primordial do país está longe de ser atingida; os níveis de desigualdades sociais impõem concluir que os agentes políticos não se ajustaram aos preceitos constitucionais na consecução de macropolíticas desenvolvimentistas, retroalimentando um país absolutamente perverso com seu povo e que mantém instituições do sistema de justiça que contribuem sobremaneira para a reiteração das iniquidades e que impedem o exercício da cidadania, o respeito à dignidade humana, como princípio fundante da República, de 56% da população da população brasileira que é negra, conforme o IBGE.

Ao mesmo tempo, à luz da ordem internacional à qual o Brasil se compromete, citamos o último documento firmado em 2022, ao promulgar a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, afora os compromissos programáticos com os Objetivos de Desenvolvimento Social, ODS, de onde extraímos o Objetivo 16: “Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.

Embora cogentes as normas do direito interno e internacional, as ações já intentadas se mostram insuficientes e incapazes de realizar a equidade no acesso às oportunidades, especialmente quando se trata da ocupação de espaços de poder nas esferas legislativa, executiva e judiciária, ganhando dimensões ainda mais graves de exclusão quando a interseção discriminatória articula as categorias de raça e gênero, demonstrando persistente e mesmo sistemática exclusão das mulheres na partilha e gestão dos poderes.

Sobre o sistema de justiça que buscamos, elevando a qualificação da prestação jurisdicional do Estado a partir do acesso pelas partes jurisdicionadas, também a composição dos órgãos deve guardar consonância com a representatividade da população, ou noutros termos, há que se ter o máximo espelhamento das diversidades humanas que são o povo da Nação que se quer construir.

Dentre as ausências que arranham a capacidade de percepção da realidade posta à apreciação jurídica estatal, sobressai a efetiva interdição às mulheres negras, da ocupação de vaga no Supremo Tribunal Federal. Embora conte com a presença de mulheres desde o ano 2000, não há razoabilidade para que jamais uma jurista negra tenha tido assento na Corte superior do Poder Judiciário. Nesse momento em que empreendemos a reconstitucionalização do país, emerge a singular oportunidade de supressão da lacuna reveladora da baixa intensidade da democracia brasileira.

Na certeza de que a atuação jurídica de mulheres negras permite a oferta de um rol que reúne os atributos constitucionais e a legitimação social que deve ser cotejada pelo Presidente da República para levar sua indicação ao Senado Federal, as entidades subscritoras sustentam a pertinência da indicação de juristas negras para ocupar vaga de ministra no Supremo Tribunal Federal!

SUB-REPRESENTATIVIDADE FEMININA

Em quase 40 anos de redemocratização no Brasil, a cúpula da República contou com 66 homens e só 4 mulheres, mostrou reportagem da Folha.

Nesse período, apenas Dilma Rousseff (PT) foi eleita presidente da República. Ela teve o mandato cassado em 2016 em processo de impeachment que tramitou na Câmara e no Senado. A decisão, no processo e no mérito, foi acompanhada sem contestação pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

No Poder Judiciário, só 3 mulheres —contra 26 homens— se tornaram ministras do STF (Supremo Tribunal Federal): Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber. As nomeações ocorreram entre 2001 e 2011.

+ sobre o tema

A saga de uma Nobel de Economia pelo ‘Pix do desastre climático’

Mesmo com seu Nobel de Economia conquistado em 2019,...

Vitória da extrema direita na França afetará guerras, Mercosul e clima

Uma vitória da extrema direita ameaça gerar um profundo...

Extrema direita francesa choca com slogan: ‘Dar futuro às crianças brancas’

O avanço da extrema direita na França abre caminho...

para lembrar

120 mil analfabetos em SUS

por Fátima Oliveira, comentário enviado por e-mail no site do...

A reforma da Previdência e o fundo do poço

Todos os governos que foram eleitos após a redemocratização...

Alô paulistas, Nordeste envia energia ao Sudeste

Enquanto muitos brasileiros da região Sudeste foram às ruas...

Gestão Arruda desviou R$ 1 mi do Bolsa Família, afirma CGU

Segundo auditoria, verba para administrar o programa foi usada...

Supremocracia desafiada

Temos testemunhado uma crescente tensão entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Essa tensão não decorre, no entanto, apenas do ressentimento de...

Na USP, professor deixa legado de R$ 25 milhões – e um recado às elites

Stelio Marras é professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e construiu toda sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), da graduação...

Prefeitura de SP omite de Moraes caso de mulher que teve aborto negado por falta de profissionais

Ao menos uma mulher teve o procedimento de aborto legal negado no Hospital Municipal Cármino Caricchio, localizado no Tatuapé, na zona lesta da capital paulista, por...
-+=