Mano Brown e Criolo mostram no palco o mesmo Brasil triste

Quando tem assunto, a percepção musical carrega a histórica. Criolo e Mano Brown estavam lado a lado, dividindo um show no Espaço das Américas, Barra Funda, São Paulo, na sexta-feira, 15. Eles vieram com banda grande, do jeito que as influências dos anos 70 de Brown mandam: naipe de metais, baixo e bateria groveados, guitarra suingada, teclados e percussão. Ice Blue, dos Racionais, cantou muito. Dan Dan também participou. As letras das músicas de Criolo e Brown, sequenciadas com agilidade de direção, já dá o discurso: Criolo e Brown fazem a crônica de um Brasil de duas décadas distintas separadas por uma geração mas, infelizmente, de um mesmo contexto. Desde 1988, quando Brown se juntou a Edi Rock, Blue e KL Jay, até 2017, quando Criolo lançou um álbum dedicado ao samba chamado Espiral de Ilusão, o mundo viu uma revolução tecnológica mudar vidas, presidentes subirem, outros caírem, mas o Brasil que eles cantam, como que por uma maldição, segue sendo exatamente o mesmo.

Por Julio Maria, O Estado de S.Paulo

Foto: Gil Inoue / Divulgação

Criolo aparece no palco primeiro com Convoque Seu Buda. “Sonhos em corrosão / migalhas não / como assim bala perdida? / o corpo caiu no chão”. É uma catarse já no começo. Brown então chega com ‘Quanto Vale o Show?’, uma digressão a 1983: ‘o kit era faroait, o quente era patchouli, o pica era Djavan, o hit era Billie Jean. O sonho de um menino que acaba logo: “Corpo negro semi-nu encontrado no lixão de São Paulo / A última a abolir a escravidão / dezembro sangrento, SP, mundo cão promete / nuvens e valas, chuvas de balas em 87.”

Criolo volta e dá um salto para 2011. Nas quebradas de Subirusdoistiozin, de seu disco Nó na Orelha, nada mudou. “As criança daqui tão de HK, leva no sarau, salva essa alma aí / os perreco vem, os perreco vão, as vadia quer, mas nunca vão subir / Cença aqui patrão, eu cresci no mundão, onde o filho chora e a mãe não vê / e covarde são quem tem tudo de bão e fornece o mal pra favela morrer”.

O rap, na linha do tempo traçada ali, em um show cheio de justas reverências de Criolo a Brown, pedindo palmas e dizendo como aquele quarteto é importante para a história da “música brasileira preta”, transbordou ao segmento formado assim que os Racionais explodiram. E aí, Criolo também participa. Se o Brasil do fim dos 80 sequer via o rap como viabilidade econômica, o show de sexta foi também prova dessa transformação. A casa não estava lotada, mas tinha um bom público, e com uma miscigenação na plateia que começa a equilibrar o jogo. Como já foi escrito, momentos de crise fortalecem o discurso e tornam as verdades de Brown e Criolo mais que necessárias. Só é triste que esses momentos de crise não parecem passar.

 

+ sobre o tema

NATURA: Empresa de cosméticos banca discos de MPB

Especialistas dizem que nova configuração do mercado é consequência...

Capacidade de negociação e tolerância destacam-se no legado de Mandela às futuras gerações

Brasília – A capacidade de negociar com diferentes setores...

Filhas do presidente Obama são proibidas de acessar o Facebook

Malia e Sasha, as filhas do presidente americano Barack...

para lembrar

“Animafro” abre série de curtas de animação sobre mitos da cultura afro-brasileira

Pré-estreia do filme de Célia Harumi Seki será nesta...

Erika Januza fala sobre preconceito

A personagem Alice da novela “Em Família” é papel...
spot_imgspot_img

Alcione e Conceição Evaristo gravam clipe que faz crítica ao machismo: ‘Marra de feroz’

Veja que linda a foto de Alcione ao lado de Conceição Evaristo, em meio a gravação do clipe da canção “Marra de feroz”. Gravado em uma...

Festival Latinidades chega à 17ª edição e convoca público para aclamar o trabalho de mulheres negras

Além da sua cidade natal, Brasília, evento volta a acontecer em Salvador e São Paulo, e apresenta uma programação especial no Quilombo Mesquita, localizado...

O apagamento da militância negra durante a ditadura militar no Paraná

A ditadura militar no Brasil, instaurada há exatos 60 anos, reprimiu e silenciou a luta dos movimentos raciais. Documentos encontrados pelo UOL junto ao...
-+=