Moradora do subúrbio de Salvador passa em seleção para Universidade de Coimbra e faz ‘vaquinha’ para conseguir ir

Estudante de Direito na UFBA, Rogilene Bispo foi aprovada em seleção para mobilidade acadêmica, para conseguir dupla titulação, que possibilitará exercer a profissão também na Europa.

Por  Juliana Almirante, do G1

Estudante abriu uma conta em site de financimento cletivo, para conseguir fazar intercâmbio em Portugal (Foto: Reprodução/Vakinha)

A estudante de Direito Rogilene Bispo, de 28 anos, moradora do subúrbio de Salvador, abriu uma “vaquinha” (acesse aqui) para arrecadar fundos a fim de realizar o sonho de estudar na Universidade de Coimbra, em Portugal. Ela está no 7º semestre do curso de direito Universidade Federal da Bahia (Ufba) e foi aprovada em uma seleção para mobilidade acadêmica, para conseguir dupla titulação, que possibilitará exercer a profissão também na Europa.

Nascida no Subúrbio Ferroviário de Salvador, no bairro do Lobato, filha de mãe trabalhadora doméstica e pai feirante, ela conta que superou a origem humilde, ao ingressar no ensino superior, depois de muito esforço.

“Sempre estudei em escolas públicas, enfrentando todas as dificuldades e limitações do ensino público, como aulas canceladas por diversas vezes, dentre os motivos, falta de água, merenda escolar, falta de professores, e a intensa violência na comunidade sob a consequência da guerra do tráfico”, diz Rogilene, no relato publicado no site da Vakinha.

Desde que a vaquinha foi iniciada, na terça-feira (1º), ela já arrecadou cerca de R$ 5 mil. O objetivo arrecadação é chegar a R$ 15 mil até o dia 1º de outubro. O dinheiro deve cobrir gastos com passagem, visto e documento. As aulas em Coimbra começam no dia 11 de setembro.

Ela agradece o apoio de amigos e até de desconhecidos que têm ajudado para que ela tente conquistar o sonho. “Estou recebendo mensagens lindas de pessoas querendo ajudar. Então eu fico muito emocionada, porque é um sonho que eu não sonho só. Eu sempre quis fazer intercâmbio e não quero perder essa oportunidade”, contou.

Rogilene, que mora no subúrbio de Salvador, espera conseguir o valor para cobrir as passagens, vistos e demais custos da viagem (Foto: Reprodução/Facebook)

Apesar da trajetória de vida permeada por dificuldades, Rogilene disse que não costumava expor isso no ambiente acadêmico, mas acredita que sua história pode inspirar outras pessoas que também passam por problemas semelhantes.

“Eu sempre procurei na faculdade não expor muito isso, por receio, por dizerem que estou me vitimizando. Eu sei da minha trajetória porque não é fácil. Sou mulher e negra. Sinto muito preoconeito aqui em Salvador, onde a maioria da população é negra. Isso vai alcançar outras vidas, de pessoas que estão passando por isso. Não existe sorte, é muito esforço”, relatou.

Ela diz que, depois de completar a graduação em Coimbra – que dura dois anos -, prentende fazer mestrado e se tornar defensora publica. “Quero ajudar as pessoas. Sempre me identifiquei com isso”, diz.

“Eu não quero ser mais uma advogada. Não é fácil se inserir no Direito, num local que é elitizado. Cheguei em uma entrevista de estágio e me disseram: ‘Estude para não ser um motoboy de luxo'”, conta.

Trajetória

Estudante diz que juntou as economias para pagar um cursinho, antes de entrar na faculdade (Foto: Reprodução/Facebook)

 

Desde o Ensino Fundamental e Ensino Médio, ela conta que já se incomodava com as circunstâncias sociais do meio em que morava, e que via a mãe como uma inspiração para seguir em frente. A mãe de Rogilene costumava apanhar do marido, pai da estudante – dependente químico desde o 14 anos -, e ela cresceu com a rotina de violência dentro de casa.

“Nasci num lar com muita violência, e minha mãe sempre apanhou do meu pai. Eu não sabia o que era direito e constituição. Em um episódio, minha mãe deu queixa na delegacia e perguntaram se ela tinha filho com esse homem (meu pai). ‘Então levante e vá para casa, porque esse homem é bom’. O Estado fez isso com minha mãe. Em 2013, ele tentou matá-la com água quente e a gente teve que fugir”, conta Rogilene.

Ela diz que tem outras duas irmãs e agradece o apoio da mãe, que sempre buscou conscientizar as filhas de que o estudo era o caminho para sair da situação de pobreza. Rogilene fala que teve que trabalhar desde muito cedo, aos sete anos, junto com as duas irmãs, aos domingos, na Feira do Rolo, mais conhecida como “Feira do Pau”, localizada na Baixa do Fiscal.

No 3º ano do Ensino Médio, ela descobriu um cursinho pré-vestibular comunitário, em um bairro vizinho de onde mora e, incentivada pela irmã mais velha, juntou as economias para conseguir frequentar o cursinho.

Foram três anos de tentativas frustadas para tentar entrar por meio do vestibular da universidade. Depois que a seleção passou a ser feita por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), acabou entrando na Ufba por meio do Bacharelado Interdisciplinar (BI) em Artes e cursou cinco semestres, mas não se sentia satisfeita e acabou migrando para o BI em Humanidades. Foi lá que acabou fazendo seleção e ingressou no curso de Direito. Agora no 7º semestre da faculdade, ela sonha com o intercâmbio que pode lhe conceder a formação dupla em Coimbra.

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