Mulheres jornalistas sofreram 78 agressões em 2021, aponta Abraji

Maioria dos ataques aconteceu em coberturas de pautas políticas. Pesquisadores alertam que cenário pode piorar em 2022

Entre janeiro e dezembro de 2021, mulheres jornalistas foram atacadas 78 vezes – uma média de seis agressões por mês. Os números foram registrados no âmbito do projeto “Violência de Gênero Contra Jornalistas”, uma iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em parceria com outras entidades e apoio da Unesco.

Ao todo, foram 62 mulheres jornalistas vítimas de agressões, ofensas, intimidações e ameaças. O levantamento mostra que 62% dos ataques ocorreram enquanto as profissionais cobriam questões políticas. De acordo com a secretária-executiva da Abraji, Cristina Zahar, o primeiro passo para frear estes ataques é a denúncia. “Nós temos uma plataforma de monitoramento de gênero para que vítimas possam denunciar por meio de um formulário. Além disso, é preciso responsabilizar judicialmente os autores das agressões, é importante procurar um advogado, registrar essas agressões e protocolar num cartório”, afirmou ela, em entrevista à repórter Júlia Pereira, da Rádio Brasil Atual.

Em 71,8% dos casos identificados, as jornalistas foram alvo de discursos estigmatizantes – termos usados com o objetivo de hostilizar e descredibilizar. Uma das vítimas desses ataques foi a apresentadora da CNN Brasil Daniela Lima. Ela foi alvo de sete casos de agressão entre janeiro e novembro de 2021, todos envolvendo discursos estigmatizantes. Em um dos episódios, a agressão partiu do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, que chamou a jornalista de “quadrúpede”, durante uma entrevista dada em frente ao Palácio do Planalto, em 1º de junho.

Cenário em 2022 deve piorar

Segundo a integrante do Intervozes e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Mônica Mourão, esse tipo de agressão é uma prática comum em governos de cunho autoritário como o governo Bolsonaro. “Esses números de ataques contra mulheres jornalistas não surpreendem. Eles são resultados do ataque à liberdade de imprensa, que aumentou na atual gestão federal, e que se soma à violência de gênero, que também é característica desse governo que flerta com o autoritarismo e é misógino.”

Expressões machistas também fizeram parte da dinâmica de agressões e estiveram presentes em 41% dos discursos voltados a jornalistas e comunicadoras, representando 29,5% do total de ataques. Elas foram chamadas de “vagabundas”, “putas”, “biscates”, “feias”, “velhas”, “burras” e “loucas”, entre outras palavras sexistas que instrumentalizam aparência e sexualidade na tentativa de calar suas vozes. Com a maioria das agressões contra as jornalistas ocorrendo enquanto as profissionais cobriam questões políticas, o cenário deve piorar em 2022 devido às eleições.

“Infelizmente, as coisas devem piorar. A violência de gênero acontece contra qualquer mulher que esteja numa posição de poder e visibilidade. Estes dados sobre as jornalistas mostram a fragilidade da nossa democracia e, certamente, é provável que essa violência piore contra as comunicadoras. O que temos a fazer é articular entidades que podem promover alguma responsabilização para prevenir algum tipo de ação desse tipo”, acrescentou a professora.

A Abraji lançou uma plataforma do projeto para reunir informações sobre os ataques com viés de gênero que vitimaram comunicadoras e comunicadores no país. O monitoramento é a extensão de um trabalho focado em violações da liberdade de imprensa, realizado pela entidade em parceria com a rede Voces del Sur desde 2019.

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