Nilbar Güres, artista residente da Bienal de SP, tratará de racismo em obra inédita

 

 

Desde que chegou à capital paulista há três semanas, como artista residente da 31ª Bienal de São Paulo, a turca Nilbar Güres, de 36 anos, tem visitado museus e centros culturais buscando aprofundar sua pesquisa sobre o país. A convite do curador escocês Charles Esche, ela produzirá por aqui obras inéditas para a exposição, que será realizada de 6 de setembro a 7 de dezembro deste ano.

Nascida em Istambul e vivendo entre sua cidade natal, Viena e Nova York, Nilbar Güres utiliza como linguagem performances, vídeos, fotografias e pinturas sobre tecidos, entre outros suportes, mantendo em todos os meios uma identidade engajada e contestadora, com reflexões sobre racismo, homofobia, misoginia, sexualidade, religião e desigualdade social.

Lembranças de “Escrava Isaura”

Ao chegar para a entrevista no Pavilhão da Bienal, Nilbar trazia no peito um adesivo de visitante do Museu de Arte Moderna de São Paulo. No entanto, preferiu não descrever suas impressões sobre esta ou qualquer outra visita na cidade. Limitou-se a falar com paixão do Museu Afro Brasil, também no Parque Ibirapuera. Indignada, desejava compreender por que numa instituição com exposições e acervo “tão incríveis e inspiradores faltam ar-condicionado e legendas em inglês ao lado das obras”.

— Essas são as suas raízes. Vocês precisam valorizá-las — disse a artista, que decidiu na hora, de improviso, fazer uma breve performance em apoio ao Museu Afro Brasil, pintando com batom traços tribais em seu rosto e pedindo à equipe da Bienal que imprimisse um cartaz de protesto, com o qual fez questão de posar para fotos.

Para Nilbar, que fica mais uma semana em São Paulo, antes de voltar à cidade em julho para finalizar o projeto, a primeira impressão é a que fica. Ela pretende tratar de racismo na obra inédita que prepara para a bienal. Imagina que será uma continuação da série “Black”, de 2012, em que usa diferentes materiais sobre tecido para refletir sobre preconceito, violência e sexualidade. A artista, que costuma ganhar pedaços de panos, conta que eles a inspiram a criar a partir de sua textura e forma.

— Quando era criança, a novela “Escrava Isaura” fazia sucesso na Turquia. Lembro-me de ter visto alguns capítulos e me impressionado. Já adulta, pouco antes de conhecer um artista brasileiro em Nova York, cheguei a pensar em conversar com ele sobre o programa de TV. Mas um amigo em comum me alertou a não tocar no assunto — conta ela. — O artista brasileiro é negro. Foi assim que intuí que vocês têm um problema em relação ao racismo. No Museu Afro Brasil, em meio a obras de arte maravilhosas expostas num local que deveria ser mais valorizado, percebi a gravidade da questão.

Curador-chefe da Bienal de São Paulo, Charles Esche diz que a artista turca combina sensibilidade e conhecimento do contexto em que vive com sua própria agenda artística.

— A abordagem de Nilbar Güres me parece acertada para uma residência e para a encomenda de uma obra comissionada pela Bienal. Ela tem posições fortes sobre a sociedade, sobre a condição das mulheres em diferentes sociedades, assim como sexualidade e sua expressão pública. Acreditamos que ela poderá refletir sobre as condições sociais do Brasil por meio de sua experiência na Turquia e em outros países do mundo de uma maneira diferente e reveladora para os visitantes da Bienal — afirma Esche, em entrevista por e-mail.

“Perguntas com teimosia”

Nilbar chamou a atenção não só de Esche, mas também dos outros curadores da equipe, formada ainda pelos israelenses Galit Eilat e Oren Sagiv e pelos espanhóis Enguita Mayo e Pablo Lafuente.

— Essa inquietude, a ênfase em questionar, está muito aparente em seu trabalho. Ela faz perguntas, e continua a fazê-las com teimosia, sobre assuntos que as sociedades em que vive não querem responder, tais como relações políticas, sociais e de gênero, sobre os porquês das construções normativas, divisão e partilha de direitos e recursos. A obra de Nilbar aborda esses temas de forma atraente e provocativa — descreve Pablo Lafuente.

Os curadores esperam que, para a Bienal de São Paulo, Nilbar combine obras produzidas em outros países com trabalhos inéditos criados no Brasil durante a residência. Esche vê a possibilidade de se estabelecerem relações entre o Brasil e a Turquia, já que Nilbar vê mais semelhanças do que diferenças entre os dois países, incluindo a influência da religião na desigualdade social e de gênero.

— Alguns dos estranhos e improváveis paralelos entre Turquia e Brasil (economia, protestos, papéis internacionais) podem ser assunto de seu trabalho, embora neste estágio do processo de criação não tenhamos certeza sobre qual ângulo ela escolherá — afirma Esche.

Fonte: O Globo 

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