Nós, negros a sós, na companhia de outros a sós, seremos todos mortos!

Gente, na humildade e com respeito:

Foto: Gabriel Brito/Correio da Cidadania

Por Douglas Belchior Do Negro Belchior

Essa onda de ativismo independente, individual, travestido de coletivismo é muito perigoso. Perigoso CONTRA nós.

Esse papo de que partidos, sindicatos, associações, igrejas, nada disso presta ou vale a pena é um tiro no pé da negrada, da classe trabalhadora como um todo.

Eu sou dos que acreditam e se dedicam à ORGANIZAÇÃO POLÍTICA. Na ação orientada a partir de um projeto político, esse sim coletivo, comunitário, revolucionário.

Esse papo de “cada um cada um”, do “eu me represento”, apresenta, na verdade, uma radical dificuldade em construir coletivamente, no coletivo do mundão, com suas contradições e problemas. Organizar a vida e as lutas com “iguais” é relativamente fácil. Difícil é construir nas diferenças. Aí está o desafio.

E eu não estou falando de partidos meramente eleitorais. Eu não estou falando de eleições, embora elas possam fazer parte da tática. Me refiro à politica na acepção original do termo.

Se as instituições, os partidos, os sindicatos, as igrejas, as associações, os movimentos como um todo estão corrompidas – e eu concordam que em sua maioria estão – ultrapassadas na forma, na linguagem e no objetivo, que disputemos os espaços ou organizemos as novas formas, mas que estejamos juntos, unificados e que nos esforcemos em construir um projeto comum. Cada um de nós, coletivos de um só, armados e revoltados, atirando cada um pra um lado, e quase sempre atirando, machucando e matando entre nós mesmos, só ajuda e facilita o trabalho do inimigo. A direita histórica racista e fascista, o conservadorismo, o ódio de classe, o machismo e a homofobia violenta surfam nas ondas de nossa desorganização, desarticulação, desunião. Não percebem?

Ontem, ao ver o plenário da Olido lotado na atividade com Malaak Shabazz, filha de Malcolm X, (http://goo.gl/JCGs9V), repleto de negras e negros, altivas, fortes, radicais, revoltados, eu imaginei: Porra! Quanto potencial revolucionário! Quanta energia! Quanto poder! Imagine isso organizado, unificado, junto, apontando sua energia e seu ódio aos reais inimigos…

Nossa negrada é foda! Ocupam espaços de poder, vestem ternos e melhoram a qualidade do destilado, falam com a massa, milhões os seguem. Mas e nosso povo, foda-se! Ficam famosos as vezes na política, mas quase sempre jogando bola, no coro do batuque ou no solar das cordas, na tela plana na novela, nas rimas e no flow, mas e a organização do nosso povo pra lutar? Que se foda! Quando lembram da vida real nos seus versos, na sua arte, são endeusados. Foda-se! E o que fazem para contribuir com a organização real do levante negro e periférico? Palavras apenas, palavras pequenas, palavras ao vento! O quanto as novas gerações periféricas, e a negrada mais jovem em especial, estão ou não influenciadas pela dinâmica individualista e de afirmação de um orgulho negro vazio de conteúdo, muito parecido com o que vários dos famosos são?

Que foda! Que triste! Que merda!

Irmão, irmã, entendam: Representatividade importa. Eu concordo. Mas enquanto um de nós estiver na merda, ter um nosso vestindo e comendo bem, não será suficiente. Somos um povo. Precisamos pensar enquanto povo. Construir um projeto de poder do povo e essa construção se dá, caso brasileiro, a partir do povo negro, seguimento majoritário da classe.

Ajudo a construir a Uneafro. É um movimento que se dedica à uma prática. Busca, com enormes limitações, um horizonte de organização e projeto político. Mas sabemos que não será daqui que surgirá o “algo novo” capaz de unificar os negros e a classe trabalhadora. Outras organizações e movimentos muito importantes e atuantes se dedicam à mesma tarefa. Precisamos reunir essas forças. Precisamos nos tocar, reunir nossos corpos mas antes, nossas mentes.

E quem é só. E quem é só, acompanhado de outros a sós, permanecerão a sós, a não ser que se reúnam e se organizem politicamente. Se não em formas que já existem, em novas formas.

Hoje é 20 de novembro. Somos negras e negros de uma das nações que mais humilha negras e negros no mundo; das que mais aprisiona negras e negros no mundo; das que mais mata negras e negros no mundo.

Temo que nós, negros a sós, na companhia de outros a sós, sejamos todos mortos.

Não falta opressão. Não falta violência. Não falta dor.

Falta nós voltar a ser nós.

Por onde começar? Começamos há 500 anos.

Estamos no meio do caminho. Bora corrigir a rota e seguir em frente.

Zumbi vive!

Vive Dandara!

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