O inaceitável retrocesso

por: Fábio Mesquita

Com consternação acompanho de longe o retrocesso que espero passageiro nas políticas públicas de tratamento de drogas no Brasil. A luta é constante entre o setor conservador, baseado no modelo psiquiátrico e o setor que representa a reforma psiquiátrica e as Conferências Nacionais de Saúde Mental com posições mais contemporâneas.

De um lado a presidenta Dilma parece desconhecer o papel histórico de baluartes de seu partido, como a prefeita Telma de Souza e o ex-prefeito David Capistrano Filho, que na sequência de mandatos do PT em Santos – dos quais tive o privilégio de participar – demonstraram que a violência dos nosocômios e tratamentos enclausurados poderiam e deveriam ser substituídos por modelos baseados em tratamento ambulatorial, voluntário, público e gratuito, de base comunitária, com intervenções psico-sociais e sob o controle do setor saúde em seu amplo aspecto e, claro, amparados na ciência.

Ninguém é dono da verdade quando se fala de tratamento de dependência de estimulantes – cocaína, meta anfetaminas e outros – mas o Brasil com os CAPS AD (Centro de Apoio Psico Social de Álcool e Drogas) vinha se tornando um modelo público de recuperação da dependência e de reinserção social, observado e aplaudido por todo o mundo. OS CAPS AD implantados no Governo de FHC, foram amplamente espalhados pelo país nos dois mandatos do presidente Lula.

drogasA decisão de apoio aberto as chamadas comunidades terapêuticas, é um sinal de retrocesso que pode levar o Brasil a Argentinização da resposta ao problema da dependência química. Um modelo privado, ineficiente, caro e sem sucesso.

Mais grave ainda é o movimento da prefeitura do Rio de Janeiro sob a liderança do prefeito Eduardo Paes, do PMDB e do debate que se segue na Cidade de São Paulo na administração Kassab que vai pela mesma linha de tratamento compulsório para usuários de crack. O tratamento compulsório da dependência química não funciona. A OMS preconiza que o tratamento compulsório só pode ser empregado em situações excepcionais, e por tempo muito limitado, sempre sob decisão judicial, e não do psiquiatra ou da Assistente Social como tem sido o caso. Jamais em massa! Não há uma epidemia de casos excepcionais em que o usuário em questão esteja em risco de vida ou coloque a comunidade em sério risco, como preconiza para aceitar a exceção a OMS. Aliás com vem sendo conduzido no Rio de Janeiro não tem muita diferença com modelos espalhados pela Àsia como aqui no Viet Nam ou na China, onde o tratamento compulsório tem sido combatido com veemência por nós das Nações Unidas ou por entidades da sociedade civil como o Human Rights Watch, pela violação de direitos humanos fundamentais.

A política publica de drogas e a histeria causada pelo crack são desproporcionais. O Relatório da ONU sobre Drogas de 2010 mostra que a droga que mais cresceu no mundo e no Brasil foram as metaanfetaminas, outro estimulante mais fácil de produzir, comercializar e disseminar e dependendo do uso tão ou mais danoso que o crack. A falta de uma Política Pública sobre Drogas adequada, pragmática, humanitária, pautada na realidade e nos direitos humanos é o problema de fundo do Brasil. Neste ponto a voz mais lúcida do país tem sido a do ex-presidente Fernando Henrique. A epidemia de crack é só um sintoma e a reação a ela um desespero de quem não tem proposta de médio e longo prazo para enfrentar um fenômeno que sempre esteve presente na humanidade. Enquanto isto para usar o jargão do futebol, invista nos CAPS AD e não mexa em time que ta ganhando.

Fábio Mesquita é médico pela UEL, doutor em Saúde Pública pela USP, atualmente Chefe da Equipe de Controle de HIV/AIDS da Organização Mundial de Saúde no Viet Nam, um país onde a epidemia de AIDS é totalmente associada ao uso de drogas.

Fonte: Carta Capital 

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