O indiozinho Vítor e a criminalização dos pobres

Eu aprendi a gostar muito de estar nesse lugar de quem, de alguma forma, pode através da sua escrita capturar a atenção de alguém. Sim, ainda que seja só pra ver o título, ou uma passada rápida nas primeiras linhas, isso em um tempo veloz como o nosso é, para mim, um grande ganho, uma façanha até.

Por Monica Francisco, do Jornal do Brasil 

Pois bem, ter o leitor ou leitora pelo tempo de uma coluna é a glória. Então, é necessário, uma questão de honra mesmo, buscar com cuidado na “caixinha de escolhas” o tema que vai oferecer aos leitores/as. Mas ultimamente não tem sido fácil não. Não poderia, por mais que doído seja, pelo menos para alguns, deixar de lado a tragédia que acometeu a família do indiozinho morto na semana passada.

Vítor nem teve tempo de entender o ódio, a indiferença e o desprezo que sua etnia ainda provocam. Sua mãe, como uma Pietá nativa, assombrada pelo pequeno sacrifício que é oferecido em nome da irracionalidade e da negação de sua existência incômoda, jamais será vista da mesma forma que uma mãe branca seria vista nesta mesma situação. O silêncio criminoso e perverso dessa nossa sociedade e sua mídia é o maior sinal de sua perversidade.

Não há desculpas para ambas. Apertam gatilhos, cortam gargantas, devastam ecossistemas e congratulam-se de sua capacidade de nos manter a todos sob controle, apaziguados, pacificados e sangrando. É tão hediondo quanto o projeto nazista na Alemanha de Hitler.

É sintomático ver uma comunidade inteira preocupada com um episódio de ciúmes entre uma cantora e seu marido, fazendo disso uma necessidade de discussão e transformando o caso em assunto nacional de alta relevância. Isso certamente diz muito sobre nós.

Toda a tragédia resumida a um surto, um problema psiquiátrico do algoz e ponto. Uma sociedade que elege os seus “matáveis”, sejam eles adultos ou crianças de colo. O que nos tornamos hoje como sociedade, demonstra claramente que o mito da sociedade alegre, solidária, festiva e piedosa, só se sustenta até a página dois.

Os números de nossa tragédia doméstica demonstram o que temos de pior. Permitir a continuação desse caminho é apostar em não-futuro. Certamente, como no caso do indiozinho Vítor e tantos outros, na criminalização dos pobres, na manutenção dos privilégios e na naturalização de tudo isso, reside um grande perigo. E é exatamente por isso que nossos silêncios e prioridades falam muito mais do que palavras e nos expõem as entranhas violentas da nossa terrível e veementemente negada luta de classes.

O que espera em meio a tudo isso, o que fazer? Ansiar por justiça e manter a fé nas belas palavras de nosso Cristo, nosso maior sacrifício e resultado do que o ódio sem sentido e a hipocrisia são capazes de produzir,” Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque serão saciados”

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO, à REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL , ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO, ao MACHISMO, À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER e à REMOÇÃO!”

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)

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