O mau caratismo de Rodrigo Constantino

Uma jovem empreendedora negra resolveu usar só modelos negros em sua loja virtual. O colunista achou a atitude racista. Vamos ajudá-lo a refletir?

por Djamila Ribeiro no Carta Capital

Foto: Gabo Morales/TRËMA

Que Rodrigo Constantino é um grande colecionador de “pérolas”, a gente já sabe. O colunista vem se destacando por criar polêmicas vazias, textos mal embasados e fracos e por incitar o ódio a grupos historicamente discriminados. Uma abominação ética, cognitiva e política, para citar Marilena Chauí.Na semana passada, porém, o colunista se superou.

Ele teve a coragem de expor uma jovem mulher negra empreendedora, após ler uma matéria publicada na BBC, sobre a marca que ela criou. Monique Evelle é uma jovem brilhante que vem se destacando pelo seu trabalho sério e pelo comprometimento com o debate por uma sociedade mais justa.

Aos 16 anos, ela criou a organização Desabafo Social, de mídia jovem, independente e negra. Há um ano, a loja Kumasi, para vender roupas e acessórios com dizeres que valorizam a estética e cultura negra, além de colocar como protagonistas modelos negros. Genial para alguém de tão pouca idade.

No entanto, Costantino, com seu parco conhecimento histórico, considerou a iniciativa da jovem como sendo racista (racismo reverso não existe, unicórnios sim).

Expõe a foto da jovem em sua coluna com o “argumento” de que a indústria da moda não é racista, que os estilistas e empresários têm o direito de só empregar pessoas brancas.

Dentre outras pérolas, afirmou que o movimento estadunidense “Black Lives Matter” incita a violência contra a polícia e finaliza: “Black Lives Matter, White Lives Matter, All Lives Matter!” Profundidade de um pires.

É nítida a preguiça intelectual do colunista de ler sobre o tema, há uma bibliografia vasta à disposição. Mas esperar o que de quem se utiliza de falsa simetria e mau caratismo para escrever?

Mas vamos ajuda-lo a refletir.

O Brasil teve mais de 300 anos de escravidão negra, foi o último país do mundo a aboli-la. No processo de industrialização do país, incentivou-se a vinda de imigrantes europeus para ocupar os postos de trabalho enquanto a população negra, explorada, seguiu sem empregos.

Temos somente 128 anos de não escravidão, o que significa dizer que as consequências de tantos anos de exploração, aliadas à inércia do Estado em criar mecanismos de inclusão, coloca a população negra na base da pirâmide social.

Não estamos nos espaços, como a moda, por exemplo, porque o racismo impede a mobilidade social da população negra. Estamos falando de uma questão estrutural. Qualquer militante mirim do movimento negro já sabe explicitar isso.

Daí uma jovem que fez sua lição de casa, aprendeu sobre a construção do seu próprio país, sofre diretamente com essa essa exclusão e ainda criou uma forma de combater essa invisibilidade e violência é considerada racista pelo colunista.

Ou seja, não é uma mera questão de precisar ler mais, é de caráter mesmo. Querer justificar a exclusão das pessoas negras com a desculpa da ”escolha do empresário” é mais uma falácia. O que temos é uma indústria racista que ainda ignora que somente em 2015, a classe C movimentou mais de 1,35 trilhões no Brasil.

Num país de maioria negra é inadmissível que essa população siga invisibilizada dos espaços. A atitude de Monique é necessária e corajosa por dar voz e escancarar a desigualdade.

Sobre a questão do colunista dizer que todas as vidas importam, não gastarei muito léxico. Responderei com Judith Butler.

Em entrevista a Paulo Jorge Vieira, a filósofa Judith Butler é questionada sobre o racismo, a violência policial que os jovens negros estadunidenses sofrem. Em uma das perguntas, Jorge a questiona pelo fato de algumas pessoas brancas não gostarem da frase Black Lives Matter (A vida da população negra importa) e em resposta a isso dizerem All Lives Matter (Todas as vidas importam).

Butler responde:

“Quando algumas pessoas refazem a mensagem ‘A vida da população negra importa’ para ‘Toda Vida Importa’, elas não entendem o problema, mas não porque a mensagem delas é falsa. É verdade que todas as vidas importam, mas é igualmente verdade que nem todas as vidas são construídas para importar. E é precisamente por isso que é mais importante nomear as vidas que não importam e estão lutando para isso no modo que elas merecem”.

Num país onde a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, dizer que movimentos que lutam contra isso incitam a violência contra a polícia, é algo que não merece que respondamos. Nossa resposta será dada com mais Moniques, mais ações e disputas de narrativas.

Eu só respondi a esse absurdo em respeito a Monique e a sua linda história e, por julgar violenta a exposição de uma jovem. No mais, o deixemos afundar no ostracismo reservado a todos os medíocres.

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