‘O negro tem pouca expressão como autor e personagem na literatura’

 

 

Alexandre Sanches,

Com o compromisso de levar o leitor a desvendar a questão do negro na literatura de língua portuguesa, começa a chegar às livrarias  “Ancestralidade Bantu na Literatura Afro-brasileira – reflexões sobre o romance ‘Ponciá Vicêncio’, de Conceição Evaristo”, livro de autoria do professor e escritor londrinense Dejair Dionísio. Publicado pela Editora Nandyala, de Belo Horizonte, a obra de 96 páginas é resultado da dissertação de mestrado de Dionísio na Universidade Estadual de Londrina.

 

“Normalmente o negro, quando é retratado na literatura, é uma figura estilizada, estereotipada, que não representa a sua realidade, a sua história. Além disso, no Brasil há poucos autores também que são negros e que abordam a temática afro-brasileira”, comentou. Em “Ancestralidade Bantu na Literatura Afro-brasileira”, o autor analisa na obra de Conceição Evaristo, uma escritora negra, a questão da ancestralidade africana negada pelos brancos e da religiosidade Bantu,  transformando-se em um passeio cultural que está vivo graças aos descendentes dos africanos que ainda mantêm a tradição.

Em entrevista ao odiario.com, Dionísio fala de questões como o papel do negro na literatura e o recorte estereotipado que os escritores de língua portuguesa costumam fazer quando abordam os afro-descendentes. Concluindo o seu doutorado em literatura, ele apresenta outro personagem negro: Castor Abduim, da obra Tocaia Grande, de Jorge Amado, que considera um dos poucos homens negros retratados na literatura brasileira. “Normalmente a mulher negra é que é retratada, também de forma estereotipada. E o meu desafio é fazer este recorte, determinando como ele é apresentado ao leitor”, salientou.

O Diário – Você, na sua pesquisa do mestrado, procurava uma boa obra com um personagem negro?

Dejair Dionísio – Quando li o romance de Conceição Evaristo, percebi até que ponto as rupturas familiares aconteciam aos remanescentes de grupos escravizados, raptados de seus países e trazidos para o Brasil e que se tornaram libertos nas gerações seguintes. Ao reler a obra, notei que a autora trabalhava a questão ancestral que era importante, que passava pelo personagem principal, pelo irmão, pela mãe e chegava ao avô, que deixava um legado espiritual com a chegada dos Bantus no Brasil.

A escolha de Conceição Evaristo se deu por ela ser negra?

A autora eu já conhecia, pois ela é uma pessoa que participa de eventos em Londrina, pelo departamento de Letras da UEL e pelo Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos (NEAA). Mas não a sua obra. Meu orientador, Sérgio Paulo Adolfo, sugeriu  ler seus livros. Ela era à época [2003] uma autora nova e negra. Eu buscava isso, queria um autor afro-brasileiro. E este livro traz uma contribuição importante para o trabalho dentro da educação, de acordo com a lei 10.639/2003 que determinou a obrigatoriedade do ensino da história da África no Brasil.

Você, sendo negro, tem uma ligação muito grande com a a cultura e tradições afro-brasileira.

Eu não acredito nesta história que você tem se distanciar do seu objeto de pesquisa, mas que tem que estar envolvido com o que está pesquisando, pois o seu trabalho vira um caso de amor. A minha relação com a temática afro-brasileira tem tudo a ver com esta autora, pois é algo que compreendo subjetivamente e percebi parte dela lendo Ponciá Vicêncio.

E como o negro é retratado nos romances aqui no Brasil?

Basta ver a escrita das novelas brasileiras. O negro não é retratado. Elas vendem a imagem do Brasil no exterior e acabam gerando uma confusão, pois somos um país com cerca de 115 milhões de pessoas que se declaram negros, afro-descendentes, pardos, mas que não possuem a sua identidade exposta. E também não são retratados pelos escritores que são cânones no Brasil. Se pegar dez autores, não verá o negro realmente, seja no ambiente urbano ou rural. Esta é uma dívida muito grande em termos literários.

E Jorge Amado é um autor que retratou o negro baiano. Como você vê suas obras?

Jorge Amado é interessante, pois não é lido no Brasil, não está nos programas de graduação dos cursos de Letras. É conhecido por conta da TV, através de filmes, novelas e minisséries. Enquanto romancista, é muito lido lá fora, porque tem representatividade. Mas a representação do negro em suas obras é um tanto folclórica. Dá visibilidade, mas ela é estereotipada, com alguns conceitos mal acabados. O negro aparece sem família, sem sobrenome, estrutura familiar, história de vida. São muito folclorizados e acabam servindo de mote para a desvalorização da mulher brasileira. Vendeu-se a imagem, não apenas ele, mas todo um contexto literário, social e político, que vendeu a mulher como fogosa, gostosa, boa de cama, pronta para forno e fogão. Isso acaba no tipo de turismo que temos, principalmente, nas praias do nordeste.

Esta é sua primeira obra. Mas você recentemente coordenou um livro coletivo em Cabo Verde.

Estava trabalhando com a Embaixada do Brasil em Cabo Verde, juntamente com a universidade local, onde organizamos um livro, fruto de um seminário internacional que marcou o Dia Internacional da Língua Portuguesa. O resultado foi um livro, lançado no dia 11 na África, onde participei através de videoconferência. Este livro será disponibilizado em breve pela internet, mas é um acerto que estamos fazendo com o Ministério das Relações Exteriores.

E o “Ancestralidade Bantu”, como está sendo a distribuição no Brasil?

O livro foi lançado recentemente em São Paulo, num evento coletivo, e no Sebo Capricho, em Londrina. Agora no início de janeiro haverá o lançamento em Belo Horizonte (sede da editora Nandyala), Rio de Janeiro, Curitiba, Vitória. Após a Copa será lançado em Belém, durante o Encontro Brasileiro de Pesquisadores Negros.

Serviço
Ancestralidade Bantu na Literatura Afro-brasileira – reflexões sobre o romance ‘Ponciá Venâncio’, de Conceição Evaristo
Autor: Dejair Dionísio
Editora Nandyala
Valor: R$ 20,00
96 páginas
Locais de venda: Sebo Capricho, em Londrina, na Estante Virtual e na Editora Nandyala

Fonte: O Diário

 

 

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