O que fazer ao presenciar uma criança praticando racismo contra outra?

Para que essa reflexão caminhe, precisaremos entender que o Brasil é um país racista. Temos dados suficientes para comprovar que a maioria das pessoas negras está em situação de pobreza, que o acesso à educação, saúde e outros direitos básicos é mais precarizado quando oferecido à população negra.

Precisaremos entender que não existe racismo contra pessoas brancas, uma vez que a intelectualidade branca, a estética branca e a palavra de pessoas brancas são exaltadas e supervalorizadas no Brasil.

Em suma, para prosseguir, precisamos concordar que o racismo contra pessoas negras no Brasil existe e que não vivemos numa democracia racial. Também precisaremos concordar que muitas famílias brancas brasileiras são racistas e ensinam as crianças brancas a perpetuar o racismo na comunidade, na escola e em outros espaços que frequentam.

Não é possível dialogar sobre estratégias de intervenção diante de uma situação em que uma criança teve postura racista contra outra, se não acreditamos que o racismo existe.

Existem muitas pesquisas que revelam os efeitos do racismo em crianças negras, sobretudo, quando estão no ambiente escolar. E engana-se quem acredita que somente pessoas adultas contribuem para a fragilização da autoestima de crianças negras. As crianças brancas, por vezes, chegam em ambientes comunitários e escolares com pouca ou nenhuma reflexão sobre sua própria raça (branca) ou sobre relações raciais.

Quando uma família branca —consciente ou inconscientemente — não dialoga com suas crianças sobre relações raciais e racismo, está contribuindo para a perpetuação da violência racial. Ser uma pessoa branca com postura antirracista é também dialogar com as crianças brancas sobre sua própria raça e seus privilégios.

Então vamos lá: se uma criança branca tiver uma fala ou comportamento racista com uma criança negra, o que eu posso fazer?

Vamos começar com um exercício: suponhamos que uma criança é empurrada de uma escada por outra criança, qual a primeira medida que você adota? Imagino que seja socorrer a criança que caiu e verificar se ela está bem ou se precisa ser levada ao pronto-socorro. Daí, só depois você dialogará com a criança que a empurrou buscando mostrar a ela que não se pode agredir ninguém, que isso gera dor.

Pois bem, diante de uma violência racista, primeiro acolhemos a vítima e depois olhamos para a pessoa que a agrediu. Socorra a criança negra, diga que sente muito por ela ter sido vítima de uma agressão daquela dimensão, pergunte se ela deseja que você chame algum adulto que ela confia, valorize a estética e inteligência daquela criança negra e cuide para que ela sinta que sua dor foi legitimada e acolhida.

Com essa atitude, automaticamente a criança negra poderá se sentir protegida e a criança branca perceberá que sua atitude gerou efeito emocional em outra pessoa, além de ter sido desrespeitosa e violenta.

Em seguida, é preciso pensar que ninguém nasce racista, mas aprende a ser racista, então aquela criança aprendeu com alguém. Não aja com violência, não grite ou chame a criança de feia, muito menos diga que ela será castigada por alguma divindade. Aproxime-se dela e dialogue sobre aquela postura, busque informar que aquela atitude foi racista e que agressões fragilizam as pessoas e as relações.

Essas são atitudes imediatas diante de um episódio de racismo entre crianças, mas é importante não parar por aí. É preciso desenvolver planos de médio e longo prazo, abrindo espaço para diálogos em casa, na comunidade e na escola sobre relações raciais, tornando o posicionamento antirracista parte da construção de todas as relações desde a infância.

+ sobre o tema

Apenas política urbana racista explica massacre de Paraisópolis

Na madrugada de sábado para domingo, nove jovens, entre...

Voltando a cometer os mesmos erros

É impressionante como podemos ter uma memória tão frágil,...

STJD aplica multa ao Grêmio por caso de racismo da torcida

O Grêmio acabou sendo punido no valor de R$ 30 mil...

para lembrar

UEPG anuncia fim das cotas para negros nos vestibulares da instituição

Regras de cotas para alunos da rede pública também...

Um outro nome para aconchego

Dengo é um filme que trata de encontros, afetividades...
spot_imgspot_img

OAB suspende registro de advogada presa por injúria racial em aeroporto

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) suspendeu, nesta terça-feira (25), o registro da advogada Luana Otoni de Paula. Ela foi presa por injúria racial e...

Ação afirmativa no Brasil, política virtuosa no século 21

As políticas públicas de ação afirmativa tiveram seu marco inicial no Brasil em 2001, quando o governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho sancionou...

Decisão do STF sobre maconha é avanço relativo

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades....
-+=